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Artigo

Gilberto Kassab: democracia e paz

No Diário de S. Paulo, Kassab lamenta a morte de brasileiros pela covid-19 e defende diálogo e a “reconstrução de um País fraterno, solidário, sem ódios, dentro das normas constitucionais até as eleições de 2022”

arquivos | 23 junho 2020

Gilberto Kassab: democracia e paz

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Nossas lágrimas logo chegarão aos quase 50 mil mortos vítimas da pandemia. Filhos da Pátria brasileira que descansam no silêncio do seu solo gentil. Milhares de irmãs e irmãos de terra, de língua, de cultura, de amigos de outras pátrias que aqui estavam, que aqui viviam. Que enterraram, de repente, princípios, crenças e valores. Bem mais que vejo, ainda sinto toda hora famílias chorando inconsoláveis… não haverá mais risos, histórias, abraços, amores. Adeus convívio que nos alimenta a alma. Um último e rápido adeus aos idosos, memórias vivas de um tempo que se foi. Aos nossos jovens e crianças, potencial que jaz inerte, já sem esperança e oportunidade de florescer, fazer história.

Irmãos que se foram, com vocês levem nossas saudades e nossas preces.

Desculpem-me, se coloco aqui e agora, emoções que afloram das imagens, das histórias que vi e vejo Brasil afora – pela TV – e, algumas, que vivi e senti de perto. Não conseguiria escrever sem aliviar a alma, como numa prece, dessa dor imensa armazenada. Amém.

Ganhou-me o sentimento. E vida que segue.

Num domingo, semanas atrás, milhares de brasileiros foram às ruas, em movimentos pró e contra governos. Sem violência. Sem repressão. Outras manifestações se seguiram, se repetem. A expressão desses atos só não foi maior por causa das limitações impostas pela pandemia que nos assola. Mas não nos verga.

Ganhou-nos a democracia.

Nos Estados Unidos, todos os 50 estados americanos foram às ruas protestar contra o assassinato brutal de um cidadão negro, George Floyd, por um policial de Minneapolis. O movimento se espalhou pela Europa, por vários países do mundo. A luta antirracista chegou aqui; unindo etnias, solidárias, fizeram protestos e respiraram unidos nas ruas.

Ganhou vida a luta antirracista.

Em vários Estados brasileiros, grupos políticos de campos diferentesuniram forças na luta contra o coronavírus. Em várias capitais e tantas cidades, diferenças ideológicas e partidárias também foram superadas. Lideranças nacionais se reencontram em defesa da Democracia. À esquerda e à direita, nosso País se manifesta. No Congresso, unidos pelo bem do Brasil, lutaremos juntos, superando conflitos e irracionalidades.

Ganhará a tolerância.

Os brasileiros, acompanhando permanentemente a evolução do covid-19, a busca por medidas que dificultem o contágio, pelo desenvolvimento de remédios e vacina, se preocuparam com a possibilidade de mudança na divulgação de dados oficiais. A união da sociedade, alerta, proporcionou ainda mais dados para que todos estejam informados sobre a evolução da doença em nosso país.

Ganhou a transparência.

As Forças Armadas brasileiras, que há 31 anos, desde o fim da ditadura, cumprem constitucionalmente seu papel institucional, volta e meia são citadas como prováveis ocupantes do Palácio da Alvorada. Já se manifestaram, para dar tranquilidade ao país sobre seu papel constitucional: isso está fora de pauta. Serão, como manda a lei maior, e como organismo de Estado, os defensores da soberania da pátria, guardiãs dos três poderes da república. Livres e independentes, como reza a Constituição.

Ganha e perdura a democracia.

Congresso, Executivo e Judiciário seguem trabalhando, mesmo com alguns ataques que volta e meia surgem em faixas e pequenas manifestações antidemocráticas, para vencer a pandemia, os desafios da economia, da luta pelas esperadas reformas que diminuam as desigualdades sociais. Elaborando, enviando, discutindo. Distonia? Sim, na luta pela contenção do coronavírus. Ao mesmo tempo em que desempregados e trabalhadores informais recebem ajuda social. Precisam mais. Receberão.

Ganhará a democracia.

A Polícia Federal e o Ministério Público agem contra gestores de alguns estados e municípios. Denúncias, investigações que levantam crimes na compra de equipamentos para o combate à covid-19.

Muito trabalho, muito o que fazer, muito debate, busca de consenso e entendimentos, naturais num contexto nacional e mundial inédito e complexo. Por vezes exaltados. A temperatura sobe entre os três poderes republicanos, cada qual procurando, tentando fazer o melhor pelo Brasil. É preciso tolerância e paciência.

O governo envia ao Congresso Medida Provisória que concede ao Ministério da Educação o direito de indicar reitores a faculdades federais. O presidente do Congresso, julgando a MP inconstitucional, devolve-a à Presidência. Respeitando a Constituição, o Presidente cancela a MP. Tanto a devolução como o cancelamento são registrados no “Diário Oficial”.

Ganha a Democracia e a paz se faz entre os poderes da República.

Mas há esperança, vacinas em desenvolvimento no mundo inteiro. Eis que a esperança desponta concreta: alguns Estados anunciam parcerias para participar, já na fase 3 de testes, de projetos de vacina com laboratórios estrangeiros. Projetos em estágio adiantado, que preconiza possível vacinação de brasileiros contra o coronavírus ainda no primeiro semestre do ano que vem.

Ganha a competência e seriedade da Ciência brasileira.

E assim, caminhando juntos, distantes de radicalismos à direita e à esquerda – com ponderação, debate civilizado e sempre sob a luz da Constituição – Executivo, Judiciário e Congresso vencerão não apenas a pandemia, mas a delicada trajetória que nos levará às eleições municipais. Sem ódios que nada constroem.

Ganha a esperança do recomeço.

Da reconstrução de um País fraterno, solidário, sem ódios. Que seja um caminho menos litigioso e mais fraterno a percorrer, a se administrar com equilíbrio, com muita energia e dentro das normas constitucionais até as eleições de 2022.

Um jogo a ser jogado pelos três poderes da República, superando obstáculos e com perspectivas concretas de um aperto de mãos sem luva e abraços sem máscara.

Ganhando a democracia, ganham todos os brasileiros.

E teremos pela frente, muito tempo para solidificar o Estado Democrático de Direito, reconstruir uma nação mais justa, mais igual, fraterna e solidária.

Um Brasil sem nenhum tipo de joelho no pescoço.