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Papa, pandemia e prefeitos. Uma encíclica além da religiosidade

Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, cita a mais recente encíclica do papa Francisco para abordar, com esperança, os difíceis tempos que vivemos.

arquivos | 23 outubro 2020

Papa, pandemia e prefeitos. Uma encíclica além da religiosidade

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A reaproximação entre membros do Palácio do Planalto e do Congresso, celebrada dia 4 de outubro com jantar e ampla divulgação – e até com trocas de pedidos de desculpas públicas entre o presidente da Câmara e do ministro da Economia – prevê o restabelecimento colaborativo e civilizado do trabalho entre os dois poderes. Não que os problemas e soluções a enfrentar até o fim do ano – e nos anos a seguir – sejam simples e de fácil execução.

O importante é que, diante de um Brasil que não pode perder mais tempo, o diálogo construtivo e os consensos se consolidem e perdurem. E possamos, sem furar o teto fiscal, discutir e aprovar projetos, reformas e seguir construindo um País mais justo. Mesmo que, para se chegar aos objetivos necessários, seja preciso cortar gorduras orçamentárias (já explicitadas, mas não acordadas) e até, quem sabe, passar a faca em porções delicadas de carne e músculos.

O próprio papa Francisco, também neste início de outubro, lançou sua Encíclica Fratelli Tutti (Somos Todos Irmãos) com um olhar laico – como disse o jornal “El Pais” – e, acrescentamos, socialmente abrangente: “(…) O desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos dos poderes econômicos, tecnológicos, políticos e midiáticos”.

Cabe aqui relembrar um fato histórico interessante sobre como o então cardeal argentino Jorge Mário Bergoglio escolheu o nome de Francisco para papa. Quando, no Vaticano, sua coroação já se cristalizava, ouviu do cardeal brasileiro Dom Cláudio Hummes: “Não se esqueça dos pobres”. Ele guardou o conselho e o usou após sua consagração, pois, como o santo, “queria uma igreja pobre para os pobres”. Agora, no dia da morte e sepultamento de São Francisco, 3 e 4 de outubro, o papa Francisco lançou sua 3ª encíclica.

“Ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna.” O Sumo Pontífice esclarece que entrega a encíclica “(…) como uma humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, diante das várias formas de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite à amizade”. O Pontífice é objetivo, direto, ao analisar politicamente o mundo pandêmico de hoje: “Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos”.

Ainda agora, fiéis de todas as crenças constatam esses desencontros, por exemplo, nos debates entre os candidatos democratas e republicanos, nos EUA; e aqui também – ressalvado o exagero da comparação dos eventos – já sintamos o calor dos debates nas nossas eleições municipais. A verdade é que o vírus ainda dá as cartas, impõe limites e desequilibra o planeta com recaídas, isolamentos que minguam e voltam a crescer, causam sofrimentos e mortes. Muitas mortes, que já passam de 150 mil por aqui e, nos EUA, logo atingirão 250 mil…

“Oxalá não seja inútil tanto sofrimento”

Tomo, por isso, a encíclica papal que nos traz reflexões necessárias, palavras de encorajamento, fatos que nos induzem ao diálogo, a reformas e aperfeiçoamento de nossas políticas públicas. E, permitam-me reforçar o que tenho dito em meus artigos: nos convoca para o consenso que constrói, que nos aglutina, nos une em torno de projetos nacionais, ora complexos, mas mesmo assim, na maioria das vezes possíveis e alcançáveis… Como nos ensina a encíclica papal:

“O golpe duro e inesperado desta pandemia fora de controle nos forçou a pensar nos seres humanos, em todos, mais do que nos benefícios de alguns. Hoje podemos reconhecer que nos alimentamos com sonhos de esplendor e grandeza, e acabamos por digerir distração, fechamento e solidão. Empanturramo-nos de conexões, e perdemos o gosto da fraternidade. Buscamos o resultado rápido e seguro, e encontramo-nos oprimidos pela impaciência e a ansiedade. Prisioneiros da virtualidade, perdemos o gosto e o sabor da realidade. A atribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo para que repensemos nossos estilos de vida, nossas relações, a organização das nossas sociedades e, sobretudo, o sentido da nossa existência.”

Não podemos perdê-lo! Nós, brasileiros das cidades, temos visto comoventes exemplos de fraternidade. Não estamos falando apenas dos batalhadores da saúde, enfermeiros, intensivistas, médicos, pesquisadores, infectologistas, funcionário do SUS por esse Brasil afora… Impressionam-me – mas não me surpreendem – a atitude cidadã, o comportamento social e solidário de ONGs, institutos, entidades de bairros, voluntários, comerciantes, assim como a visão da convivência comunitária de grandes empresas, que ajudaram – e ainda ajudam – a minimizar carências dos que mais precisam.

Participantes da batalha que elegerá prefeitos e vereadores, várias vezes nos juntamos, em todo o Brasil, a essas milhares de pessoas que doam cestas básicas, máscaras, álcool em gel, roupas… Que levam atenção e carinho a favelas, onde encontramos gente que se doa, de corpo e alma, para minimizar o sofrimento daqueles que perderam o emprego e lutam para conseguir o sustento de cada dia. Que sonham com mais escolas, água tratada, esgoto recolhido, hospitais e segurança…

E a encíclica papal ainda tem outras advertências:

“Passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta. No fim, oxalá já não existam “os outros”, mas apenas um “nós”. Oxalá não seja mais um grave episódio da história, cuja lição não fomos capazes de aprender. Oxalá não seja inútil tanto sofrimento, mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim, que precisamos e somos devedores uns dos outros, para que a humanidade renasça com todos os rostos, todas as mãos e todas as vozes, livre das fronteiras que criamos”.

Sem dignidade humana nas fronteiras

O Papa aborda ainda, nas 98 páginas da encíclica, o drama dos imigrantes, e nós também os temos por aqui: venezuelanos que acolhemos por Roraima; haitianos, que rebemos nos grandes centros… e muitos outros, vários que trazem a família, crianças; e outros que aqui se fixam e sonham com o dia de ir buscar as que deixaram. Nossa história é pródiga do abrigo solidário, do acolhimento fraterno que tivemos com imigrantes, que para cá vieram, fugindo de guerras, catástrofes, à procura de empregos… E que aqui semearam empregos, criaram indústrias…

O papa Francisco segue com sua reflexão sobre imigrantes:

“Tanto na propaganda de alguns regimes políticos populistas, como na leitura de abordagens econômico-liberais, defende-se que é preciso evitar a todo o custo a chegada de pessoas migrantes. Simultaneamente argumenta-se que convém limitar a ajuda aos países pobres, para que toquem o fundo (do poço) e decidam adotar medidas de austeridade. Não se dão conta de que, atrás destas afirmações abstratas difíceis de sustentar, há muitas vidas dilaceradas. Muitos fogem da guerra, de perseguições, de catástrofes naturais”. (…) “Compreendo que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista das pessoas migrantes; compreendo-o como um aspecto do instinto natural de autodefesa.” (…) “O problema surge quando essas dúvidas e esse medo condicionam de tal forma nosso modo de pensar e agir, que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até – sem percebermos isso – racistas. E assim o medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o outro.”

“A esperança é ousada, se abre a novos ideais”

Além de suas reflexões espirituais e preocupação com o comportamento humano, antes e depois da pandemia, a verdade é que o papa já estava, desde março, decidido a abrir um amplo diálogo com a juventude e com especialistas do mundo todo sobre as urgências globais, como inclusão social, sustentabilidade, respeito ao meio ambiente, entre outras.

“Sabemos bem que, todas as vezes que aprendemos, como pessoas e comunidades, a olhar para mais alto do que nós mesmo e os nossos interesses particulares, a compreensão e o compromisso recíprocos transformam-se em solidariedade; numa área onde os conflitos, as tensões e mesmo aqueles a quem seria possível considerar como adversários no passado, podem alcançar uma unidade multiforme que gera nova vida”.

“Se não conseguirmos recuperar a paixão compartilhada por uma comunidade de pertencimento e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço e bens, desabará ruinosamente a ilusão global que nos engana e nos deixará muito à mercê da náusea e do vazio.” (…). “O princípio do “salve-se quem puder” traduzir-se-á rapidamente no lema “todos contra todos”. E isso será pior que uma pandemia.”

O PSD, partido independente e de centro, participa, no Congresso, da discussão democrática dos projetos do governo. Os tempos são desafiadores – com incêndios por todo o Brasil, temperatura adversa que contribui para destruição de reservas florestais, comércio que se recupera aos poucos, parte da indústria que volta a produzir, além do notável desempenho do agronegócio… isso e a nossa determinação de olhar para o futuro e vencer obstáculos nos dão muita esperança.

É com esperança que o PSD participa das eleições municipais:

Como bem diz o papa Francisco: “A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna. Caminhemos na esperança!”

A caminho das urnas, pois!