
Assistência Social
Realizações da Gestão Gilberto Kassab (2006–2012) em Assistência Social e Direitos Humanos
Foco na ampliação da rede básica de assistência e na implantação de políticas inovadoras para mulheres, negros, população de rua, dependentes químicos, LGBTQ+ e pessoas com deficiência
acoes-gk | 09 junho 2025
Introdução: Entre março de 2006 e dezembro de 2012, a Prefeitura de São Paulo, sob a gestão do prefeito Gilberto Kassab, implementou uma série de políticas públicas inovadoras e programas sociais voltados à assistência social e à promoção dos direitos humanos. Estas iniciativas buscaram enfrentar problemas históricos da cidade, da vulnerabilidade social e pobreza urbana à violência doméstica, discriminação e falta de inclusão de minorias, por meio de soluções integradas e parcerias intersetoriais. A seguir, apresentam-se os principais programas e realizações desse período, estruturados em capítulos temáticos por conquista específica. Em cada capítulo são detalhados o contexto histórico e a origem do problema, a concepção da solução proposta, o desenvolvimento e execução da política pública, dados quantitativos relevantes (com recordes históricos destacados) e a análise de seus impactos, incluindo legados que ultrapassam o mandato de Kassab. Sempre que pertinente, mencionam-se também parcerias da Prefeitura com o Governo do Estado, Governo Federal ou organizações da sociedade civil, bem como programas sociais de outras áreas (habitação, saúde básica, educação inclusiva) fundamentais para o sucesso dessas políticas de assistência social e direitos humanos.
- Ampliação da Rede Socioassistencial (CRAS e CREAS)
Contexto e necessidade: No início dos anos 2000, São Paulo carecia de uma rede suficiente de atendimento social de base para famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade. Em 2004, existiam apenas 31 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) na cidade.
Com a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) a nível federal em 2005, surgiu a urgência de expandir e descentralizar os serviços socioassistenciais, garantindo acolhimento, orientação e acompanhamento a populações carentes nos territórios onde residem. A gestão Kassab concebeu a solução de fortalecer a infraestrutura de assistência social básica, ampliando massivamente a rede de CRAS nos bairros periféricos e áreas de maior risco social.
Desenvolvimento da solução: A partir de 2006, a Prefeitura planejou a abertura de novas unidades do CRAS em regiões estratégicas, assegurando recursos orçamentários municipais e captando cofinanciamento federal via SUAS. Entre 2006 e 2012 foram inaugurados 17 novos CRAS, elevando para 48 o total de unidades em funcionamento na cidade.
Isso representa um crescimento superior a 50% na rede de atendimento básico. Esses centros fornecem serviços de assistência social preventiva e apoio psicossocial, mapeando famílias em situação de pobreza, oferecendo cadastro em programas de renda (como Bolsa Família federal) e encaminhando a rede de serviços (educação, saúde, qualificação profissional etc.) para promover reinserção social. Como resultado, a capacidade de atendimento foi significativamente ampliada: o número de pessoas atendidas pelos serviços assistenciais do município saltou de cerca de 97,9 mil por dia em 2004 para aproximadamente 208 mil por dia em 2012,
um volume de atendimento diário recorde na história da cidade, indicando maior alcance das políticas sociais.
Profissionalização e modernização: Paralelamente à expansão física, houve investimento na capacitação de equipes multidisciplinares e na melhora dos sistemas de gestão. Foram implantados sistemas informatizados para acompanhamento dos casos sociais e integração com bases de dados federais (CadÚnico), agilizando a identificação de necessidades e evitando sobreposições de benefícios. A Prefeitura também instituiu gratificações por desempenho para servidores da assistência (Lei nº 15.159/2010), valorizando o trabalho técnico-social e estimulando resultados.
Criação dos CREAS – proteção social especial: Identificando demandas mais complexas – como violência doméstica, exploração sexual e trabalho infantil – a gestão Kassab estruturou uma rede inédita de Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Até 2005, São Paulo não dispunha de unidades suficientes voltadas ao atendimento especializado de vítimas de violações de direitos. A partir de 2008, Kassab criou 21 CREAS espalhados por todas as regiões da cidade.
Os CREAS oferecem apoio psicossocial e jurídico a vítimas de violência doméstica, abuso ou exploração sexual, trabalho infantil, maus-tratos, abandono e negligência, articulando ações de proteção em conjunto com conselhos tutelares, Delegacias de Defesa da Mulher e Varas da Infância. Cada CREAS conta com assistentes sociais, psicólogos e educadores sociais capacitados para acompanhar casos individuais, elaborar planos de intervenção familiar e encaminhar as vítimas a serviços de saúde, justiça e abrigamento quando necessário. A implantação desses centros especializados viabilizou a implementação local da Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340/2006), garantindo apoio às mulheres vítimas de violência, assim como a execução de programas federais de combate ao trabalho infantil (PETI) e programas municipais de enfrentamento à exploração de crianças e adolescentes.
Resultados quantitativos: A tabela a seguir resume a expansão da rede socioassistencial durante a gestão Kassab, comparando indicadores de 2004 (antes) e 2012 (após):
Indicador (Assistência Social) | 2004 | 2012 |
Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) | 31 unidades | 48 unidades |
Centros de Referência Especializados (CREAS) | 0 (rede inexistente) | 21 unidades |
Pessoas atendidas pela rede assistencial | ~97.900 por dia | ~208.000 por dia |
Agentes de abordagem social de rua (ver Cap. 2) | 28 agentes | 414 agentes
|
Tabela 1 – Expansão da rede socioassistencial de São Paulo (2004–2012).
Impactos e legado: A ampliação e descentralização da rede de CRAS e CREAS representou um marco histórico na assistência social paulistana, levando serviços antes concentrados no centro para mais próximo das comunidades periféricas. Estima-se que aproximadamente 1 milhão de pessoas por ano passaram a ser atendidas pelos CRAS na gestão Kassab, contribuindo para redução de situações de risco social e fortalecendo vínculos comunitários. O legado ultrapassou 2012: as unidades criadas tornaram-se permanentes e até hoje compõem a espinha dorsal do atendimento social básico e especial na capital. Gestões posteriores mantiveram e ampliaram algumas dessas estruturas, integrando-as a novas iniciativas (por exemplo, a Prefeitura criou após 2013 centros especializados para população LGBT e migrantes, inspirados no modelo CREAS de proteção especial a grupos vulneráveis). Além disso, a rede ampliada de assistência social deixou São Paulo mais bem preparada para enfrentar crises socioeconômicas subsequentes, como foi evidenciado na capacidade de cadastrar e atender rapidamente famílias durante recessões econômicas e, mais tarde, na pandemia de COVID-19.
Parcerias e cooperação: A execução dessa expansão contou com parcerias importantes. O Governo Federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social, apoiou financeiramente a instalação de novos CRAS/CREAS dentro do SUAS, custeando parte das equipes e infraestrutura via pisos de alta complexidade. Organizações da sociedade civil também colaboraram: diversos CREAS estabeleceram cooperação com ONGs e entidades especializadas (p. ex. organismos de defesa dos direitos da criança ou da mulher), potencializando a eficácia do atendimento. Dessa forma, a Prefeitura atuou como articuladora de uma rede intersetorial de proteção social, envolvendo União, Estado (no âmbito da segurança pública e justiça, para encaminhamento de casos) e terceiro setor.
- Assistência à População em Situação de Rua
Origem do problema: A cidade de São Paulo há décadas convive com uma grande população em situação de rua, fruto de fatores como desemprego, migração, transtornos mentais e dependência química. Até meados dos anos 2000, as políticas para essa população eram limitadas: poucos abrigos noturnos, ações pontuais e abordagem social insuficiente. Em 2004, a Prefeitura dispunha de menos de 30 agentes para abordagem de rua em todo o município, número claramente inadequado diante de milhares de pessoas vivendo nas ruas. Havia, portanto, a necessidade de uma política mais abrangente de acolhimento que oferecesse não apenas pernoite, mas também oportunidades de convívio, higiene, alimentação e encaminhamento a serviços de saúde e documentações – passos essenciais para a reinserção social dessa população.
Inovação proposta – “Tendas sociais” e abrigos 24 horas: A gestão Kassab concebeu uma iniciativa pioneira chamada “Espaços de Convivência” – estruturas montadas em formato de tendas sociais abertas durante o dia, destinadas a atrair os moradores em situação de rua e oferecer serviços básicos em um ambiente de acolhimento. A primeira dessas tendas foi instalada no Parque Dom Pedro II, região central, em 2007, durante um inverno rigoroso, como resposta emergencial às críticas sobre a abordagem anterior (quando ações de remoção de pertences de rua geraram polêmica). Posteriormente, o programa foi expandido: 9 Espaços de Convivência diurnos foram criados em diversos pontos da cidade. Nesses espaços, pessoas em situação de rua podiam passar o dia em segurança, realizar higiene pessoal (chuveiros e sanitários disponíveis), receber alimentação, ter auxílio para obter 2ª via de documentos e participar de atividades socioeducativas. Essa estratégia inovadora buscou construir vínculo de confiança com a população de rua, facilitando seu encaminhamento voluntário a abrigos e programas de tratamento quando necessário.
Expansão da rede de acolhida: Complementando os espaços diurnos, a Prefeitura ampliou significativamente a oferta de Centros de Acolhida (abrigos) para pernoite. Foram implantados 18 novos Centros de Acolhida entre 2006 e 2012, dos quais 10 funcionavam 24 horas por dia (uma novidade em relação aos albergues tradicionais que fechavam durante o dia). Nos abrigos 24h, as pessoas em situação de rua passaram a poder permanecer continuamente, sem precisar deixar o local pela manhã – podiam tomar banho, jantar, pernoitar e tomar café da manhã no dia seguinte, garantindo dignidade e estabilidade enquanto recebessem atendimento. Além disso, caso estivessem dispostas, eram encaminhadas a serviços socioassistenciais da rede pública (como unidades de saúde para cuidados médicos ou CAPS AD para tratamento de dependência, ver Cap. 3). Essa abordagem integral diferenciava-se de gestões anteriores, tratando o morador de rua de forma mais humanizada e contínua.
Fortalecimento da abordagem de rua: Para conectar essas pessoas aos novos equipamentos, investiu-se na multiplicação das equipes de abordagem social. Assistentes sociais e educadores passaram a percorrer ruas, praças e viadutos diariamente, identificando pessoas desabrigadas e apresentando as opções de acolhimento e convívio. O efetivo de agentes de abordagem cresceu de 28 (em 2004) para 414 profissionais em 2012, um aumento de quase 15 vezes. Esse incremento permitiu cobertura muito maior do território urbano, inclusive em horários noturnos e fins de semana, consolidando um serviço ativo de busca e resgate social.
Dados e resultados: Como resultado dessas ações, a capacidade diária de atendimento à população de rua aumentou exponencialmente. Novos serviços recordes foram ofertados: pela primeira vez, São Paulo teve espaços de convivência diurnos específicos e mais de 4 centenas de profissionais dedicados exclusivamente a essa população. Segundo dados oficiais da Prefeitura, a rede socioassistencial passou a atender cerca de 208 mil pessoas por dia em 2012, englobando não apenas moradores de rua mas diversos usuários de serviços (conforme Tabela 1 acima). No entanto, estima-se que dentre esse número, milhares eram pessoas em situação de rua beneficiadas por refeições, pernoites e atendimentos nos novos centros. A criação dos espaços 24h aumentou significativamente o número de vagas de acolhida de emergência disponíveis na cidade, reduzindo mortes por hipotermia no inverno e ampliando o alcance das campanhas de inverno (distribuição de cobertores e agasalhos).
Um exemplo concreto foi a “Tenda Social” do Parque D. Pedro II, que registrou alta adesão: diariamente, dezenas de moradores de rua passaram a utilizar o local para se alimentar e limpar, e muitos aceitaram encaminhamento para abrigos ou serviços de saúde a partir dali. Em toda a cidade, 9 tendas sociais desse tipo funcionaram regularmente. Quanto aos Centros de Acolhida, ao final de 2012 São Paulo contava com mais de 70 unidades (somando as já existentes e as criadas por Kassab), com aproximadamente 11 mil vagas noturnas gratuitas disponíveis – na época, uma das maiores redes de abrigo do país.
Impacto e considerações: A iniciativa trouxe melhorias imediatas na qualidade de vida da população de rua atendida, oferecendo um mínimo de estrutura e respeito. Relatórios da época indicam que muitos usuários conseguiam recuperar documentos perdidos e retomar contato com familiares graças aos serviços disponíveis nas tendas. A ampliação das equipes de abordagem também permitiu maior prevenção de riscos, com agentes mapeando locais de concentração e atuando junto a outras pastas (saúde, defesa civil) para evitar tragédias e encaminhar casos críticos (como pessoas doentes na rua) ao atendimento devido.
Contudo, o impacto de longo prazo sobre a diminuição quantitativa da população de rua foi limitado, a cidade continuou a ter um contingente significativo de desabrigados, alimentado por fatores estruturais (desigualdade, migração, dependência química persistente). O legado principal foi a consolidação de uma política pública contínua de abordagem e acolhimento mais estruturada, que serviu de base para gestões posteriores inovarem. Em 2014, por exemplo, a administração seguinte lançou o programa “De Braços Abertos” com oferta de moradia e trabalho temporário a usuários de drogas, mantendo, porém, a rede de abrigos e convivência estabelecida na era Kassab. Os equipamentos implantados (tendas e centros 24h) continuaram em operação nos anos seguintes, ainda que com alterações de metodologia.
Parcerias: Para viabilizar essas ações, a Prefeitura atuou em parceria com organizações sociais experientes no atendimento de rua – muitas das novas unidades de acolhida foram administradas por entidades conveniadas (ONGs, instituições religiosas e filantrópicas) custeadas pelo município, modelo que permitiu rápida expansão com qualidade. Houve também coordenação com o Governo do Estado no que tange à segurança nas áreas de grande concentração: a Polícia Militar apoiou as equipes sociais em operações de abordagem em locais como a região da Cracolândia, garantindo que agentes pudessem atuar com segurança. Ademais, programas federais como o “Cadastro Único para População de Rua” (lançado em 2009) foram incorporados, permitindo que pessoas em situação de rua em São Paulo fossem inseridas em programas de transferência de renda nacionais. Essa atuação intersetorial maximizou o alcance e eficácia das iniciativas municipais.
- Atendimento Integrado a Dependentes Químicos
Contexto e desafio: Na segunda metade dos anos 2000, São Paulo enfrentou uma crise do crack nas regiões centrais – notadamente na área conhecida como Cracolândia, no bairro da Luz. O uso disseminado de crack e outras drogas ilícitas a céu aberto evidenciou a falta de políticas públicas adequadas para pessoas em situação de dependência química, que antes eram tratadas principalmente sob a ótica policial. Em 2007, sob forte atenção da mídia e pressão popular, ocorreu a Operação Saturação (uma ocupação policial intensa na Cracolândia pelo Governo do Estado), reduzindo temporariamente a presença de traficantes. Porém, ficou claro que sem medidas sociais e de saúde pública complementares, os usuários de drogas permaneceriam vulneráveis, migrando para outras áreas ou retornando assim que a repressão abrandasse. Surgiu então a necessidade de tratar dependentes químicos não como criminosos, mas como vítimas que precisavam de ajuda para recomeçar a vida, integrando segurança, saúde e assistência social.
Solução proposta – Complexo Prates: Em resposta, a gestão Kassab elaborou um programa pioneiro de atendimento integrado a dependentes químicos, cujo carro-chefe foi a criação do Complexo Prates. Concebido em 2008 e inaugurado em 2010 no bairro do Bom Retiro (próximo à região da Luz), o Complexo Prates foi desenhado como um centro multi-serviços especializado para usuários de álcool e drogas, principalmente aqueles oriundos da Cracolândia. A ideia central foi concentrar, em um único local, diversos tipos de atendimento necessários a essa população: acolhimento emergencial, tratamento de saúde e apoio socioassistencial. Para isso, o Complexo incluiu:
- Abrigo 24 horas (Centro de Acolhida) com capacidade para 1.200 vagas, permitindo ao dependente químico ter um local seguro para dormir e se alimentar.
- Espaços de convivência diurnos dentro do centro, similares às tendas sociais, para atividades de lazer terapêutico e reaproximação social.
- Unidade de saúde de pronto-atendimento (AMA) 24 horas instalada no local, para cuidados clínicos imediatos, primeiros socorros e tratamento de intercorrências de saúde (intoxicações, ferimentos, etc).
- Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) tipo III 24 horas, com equipe médica e psicológica especializada em tratamento de dependência, oferecendo desde atendimento psiquiátrico, terapia em grupo até medicação e desintoxicação assistida.
- Atendimento a menores de idade: estrutura para abrigar separadamente adolescentes usuários, com abordagem socioeducativa específica.
Essa integração in loco permitia que um usuário de crack recebesse acolhimento imediato (cama e comida), tratamento médico e psiquiátrico, e acompanhamento social sem precisar se deslocar por vários serviços espalhados – algo inovador no Brasil à época. O Complexo Prates tornou-se uma referência, sendo citado como “um marco” no atendimento a dependentes de São Paulo.
Execução e expansão de serviços associados: Além do Complexo Prates, a gestão Kassab expandiu a rede municipal de saúde mental e assistência para usuários de drogas. O número de CAPS Álcool e Drogas na cidade chegou a 25 unidades, muitas das quais criadas em 2009–2012, garantindo cobertura em várias zonas. Também foram criados 21 Centros de Convivência e Cooperativa (CECCO), equipamentos comunitários para inclusão social de pessoas em tratamento de saúde mental e dependência por meio de oficinas de geração de renda e atividades culturais. Novos dispositivos foram introduzidos, como Residências Terapêuticas – 10 casas-lares especiais inauguradas para abrigar, em ambiente familiar supervisionado, ex-dependentes em fase final de tratamento, reforçando seu sentimento de autonomia antes do retorno pleno à comunidade. Ainda no âmbito da saúde, a Prefeitura criou 2 Ambulatórios de Saúde Mental – Álcool e Drogas para atendimentos ambulatoriais de casos moderados.
Na interface entre saúde e assistência, instituiu-se o programa “Saúde nas Ruas”, com equipes móveis (médico, enfermeiro, assistente social) que percorriam regiões de concentração de usuários identificando casos, cadastrando-os e encaminhando-os para a rede de referência estruturada – processo coordenado pela ação Centro Legal. A “Ação Integrada Centro Legal” funcionou como um protocolo intersecretarial: quando um dependente era abordado nas ruas centrais, recebia imediatamente atendimento básico e, se aceitasse, era conduzido ao Complexo Prates ou a outros CAPS/abrigos da rede, com garantia de vaga rápida.
Resultados e dados relevantes: O Complexo Prates, com suas 1.200 vagas, representou o maior centro público de acolhimento de dependentes já criado na cidade. Em seus primeiros anos, milhares de usuários passaram pelo local; muitos permaneciam por períodos para desintoxicação e iniciavam reabilitação ali. A iniciativa foi reconhecida por tratar usuários “como vítimas do tráfico e das drogas, oferecendo alternativas para trilhar um caminho diferente”, em vez de apenas removê-los coercitivamente das ruas.
No âmbito mais amplo, ao final de 2012 São Paulo dispunha de uma das redes municipais mais completas de atendimento ao dependente químico no país, incluindo: 25 CAPS-AD, 21 CECCOs, 10 Residências Terapêuticas e dezenas de equipes de rua especializadas. Essa infraestrutura permitiu elevar o número de dependentes em tratamento e acompanhamento contínuo. Por exemplo, somente em 2012, a secretaria reportou que as equipes de “Saúde nas Ruas” abordaram e cadastraram centenas de usuários na região central, encaminhando-os para serviços – um fluxo que alimentou programas posteriores.
Desafios e continuidade do problema: Apesar dessas medidas, o desafio da Cracolândia não se resolveu por completo durante a gestão Kassab. Houve redução temporária da concentração de usuários em certas quadras, mas o chamado “fluxo” de consumo acabou retornando em áreas próximas nos anos seguintes. Em 2013–2014, a gestão seguinte adotou nova estratégia (programa “De Braços Abertos”), que priorizou emprego e moradia temporária aos usuários, enquanto o Governo do Estado lançou o programa “Recomeço” com expansão de vagas em clínicas de reabilitação. Contudo, o legado da era Kassab foi importante: o Complexo Prates continuou ativo e serviu de base para ações de tratamento, mesmo que seu uso pleno tenha oscilado. Ainda assim, a infraestrutura multidisciplinar montada permaneceu disponível para ser incorporada em novas políticas. Ademais, a concepção de atendimento integrado influenciou debates nacionais, contribuindo para a ideia atualmente aceita de que é preciso combinar segurança, saúde e assistência no enfrentamento do uso abusivo de drogas em contextos urbanos.
Parcerias envolvidas: A implementação dessas ações contou com fundamental parceria Estado-Município. O Governo do Estado (gestão José Serra e depois Geraldo Alckmin) cooperou através da Polícia Militar nas operações de garantia da ordem e, posteriormente, com aporte de recursos para tratamento (vagas custeadas em clínicas parceiras e hospitais estaduais complementaram as municipais). O Complexo Prates em si foi iniciativa municipal, mas seu CAPS-AD recebia recursos do SUS (federal) e as AMA e equipes de saúde também eram em parte financiadas pelo Ministério da Saúde. Organizações da sociedade civil especializadas em dependência (comunidades terapêuticas, grupos de apoio) foram envolvidas: por exemplo, das 371 vagas em clínicas terapêuticas disponíveis em 2012, 291 eram em comunidades parceiras conveniadas com a Prefeitura ou Estado. Essa sinergia intergovernamental e com o terceiro setor foi crucial para ampliar a oferta de tratamento além da capacidade pública direta.
Em suma, a gestão Kassab estabeleceu um novo paradigma de enfrentamento às drogas na cidade, focado no atendimento humanizado e integrado dos dependentes químicos, que, apesar de não ter eliminado o problema, lançou as bases institucionais e físicas para esforços contínuos de redução de danos e recuperação de vidas.
- Proteção de Crianças e Adolescentes: Combate à Exploração e Trabalho Infantil
Contexto e origem: Antes de 2006, São Paulo enfrentava graves problemas envolvendo violações de direitos contra crianças e adolescentes – casos de exploração sexual infantojuvenil em certas regiões (especialmente próximo a rodoviárias, centros comerciais e eventos turísticos) e persistência do trabalho infantil em feiras, sinais de trânsito e pequenos comércios. Havia também altos índices de violência doméstica e maus-tratos contra crianças, muitas vezes subnotificados. Embora existissem Conselhos Tutelares e legislações nacionais de proteção (ECA, 1990), as políticas municipais setoriais precisavam ser fortalecidas e integradas. A necessidade expressa era criar mecanismos municipais coordenados de prevenção, denúncia e atendimento para garantir a proteção integral da infância e adolescência.
Soluções implementadas: A gestão Kassab, em linha com diretrizes nacionais, desenvolveu vários programas e ações transversais focados na proteção de menores, destacando-se:
- Programas de enfrentamento da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes: Foram lançadas campanhas e protocolos integrados envolvendo assistência social, saúde e segurança. A Prefeitura firmou convênios com organizações especializadas (como o Instituto Alana e outras ONGs) para executar projetos de identificação de situações de exploração sexual infantojuvenil, especialmente em áreas central e na zona norte (região próxima ao Terminal Rodoviário do Tietê). Além disso, em 2008 foi inaugurado o primeiro Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente municipal, funcionando como núcleo de assessoria jurídica e psicossocial para vítimas menores de 18 anos, encaminhando-as aos CREAS e serviços de proteção policial quando necessário.
- Erradicação do trabalho infantil (PETI municipalizado): A Prefeitura aderiu ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) do Governo Federal, ampliando seu alcance local. Equipes de educadores sociais passaram a realizar buscas ativas de crianças em situação de trabalho (vendendo balas em semáforos, fazendo malabares, em lixões, etc.) e a inseri-las em serviços socioeducativos. Para cada criança retirada do trabalho, a família recebia acompanhamento pelo CRAS e acesso a transferência de renda (benefício social) condicionado à frequência escolar da criança. Durante 2006–2012, centenas de crianças foram afastadas de atividades laborais impróprias e matriculadas em escolas ou programas de jornada ampliada (como os CEUs – Centros Educacionais Unificados, que ofereciam atividades no contraturno escolar).
- Observatório da Infância e Adolescência: Em janeiro de 2010 foi sancionada a Lei Municipal nº 15.114/2010 criando o Observatório de Proteção Integral à Infância e Adolescência em São Paulo. Esse Observatório, implementado posteriormente em 2011, estabeleceu um sistema de coleta de dados, pesquisa e monitoramento sobre violências contra menores na cidade. Ele reunia informações de diversas fontes (conselhos tutelares, delegacias, hospitais, escolas) para traçar um panorama das violações de direitos, subsidiando políticas preventivas. Foi um marco conceitual, pois centralizou a análise do problema e permitiu avaliar a efetividade das medidas adotadas, algo inédito na escala municipal.
- Reforço aos Conselhos Tutelares: Embora não tenha havido aumento significativo do número de Conselhos Tutelares na cidade durante 2006–2012 (São Paulo já contava com 37 Conselhos regionais desde 2005), a gestão Kassab investiu na infraestrutura e condições de trabalho dos conselheiros tutelares, incluindo a entrega de veículos e computadores novos para os conselhos, e criou o Disque Denúncia Municipal integrado ao Disque 100 (nacional), facilitando que cidadãos reportassem casos de abuso ou exploração de menores, que então eram encaminhados aos conselhos e CREAS.
Dados e resultados: Um dos indicadores positivos foi a redução do trabalho infantil visível em vias públicas. De acordo com relatórios da Secretaria de Assistência Social, houve queda no número de crianças abordadas trabalhando nas ruas centrais ao longo do período – fruto das intervenções do PETI municipal. Infelizmente, estatísticas exatas de redução não foram amplamente divulgadas, mas o compromisso formal do município se refletiu na sanção de leis e na institucionalização de programas. Em 2012, a Câmara Municipal aprovou (e Kassab sancionou) uma lei consolidando normas de prevenção e combate ao trabalho infantil, reafirmando a proibição de trabalho para menores de 16 anos salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 (Lei Municipal nº 15.647/2012).
No tocante à exploração sexual, a criação de canais de denúncia dedicados resultou em aumento de denúncias registradas – o que é interpretado de forma positiva, pois indica maior visibilidade e disposição da sociedade em coibir o crime. As ações integradas nas regiões críticas (como nos entornos de boates, hotéis e locais de grande movimentação) levaram ao resgate de diversas adolescentes em situação de exploração e seu encaminhamento a abrigos ou famílias acolhedoras. O número de atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de violência nos CREAS subiu significativamente após 2009, dado o funcionamento pleno da rede especializada (cada um dos 21 CREAS tinha equipe focada em violência contra crianças/adolescentes).
O Observatório da Infância gerou seus primeiros relatórios em 2012, apontando, por exemplo, os bairros com maior incidência de violência doméstica contra crianças, embasando a priorização de recursos nos territórios vulneráveis. Esse mecanismo permaneceu nas gestões seguintes, incorporado pela nova Secretaria de Direitos Humanos em 2013, indicando sua relevância como legado.
Impacto e legado: As iniciativas voltadas à infância e juventude consolidaram a visão de prioridade absoluta dada a esse público, em conformidade com o ECA. O fortalecimento institucional – novos centros, observatório, integração com órgãos estaduais como as Delegacias da Criança e Adolescente – criou bases duradouras. Gestões posteriores ampliaram algumas ações, por exemplo, criando em 2014 um Centro de Defesa da Criança e do Adolescente específico para atender casos de violência sexual (Casa Beatriz Lourenço, já nos moldes traçados anteriormente). Os programas de erradicação do trabalho infantil continuaram recebendo atenção e recursos federais, apoiados pela estrutura municipal consolidada.
Entretanto, desafios persistentes como a exploração sexual não foram erradicados apenas com ações locais, evidenciando a necessidade de políticas contínuas e de âmbito mais amplo. O legado de Kassab está em ter colocado o tema na agenda municipal de forma transversal, demonstrando compromisso em enfrentar problemas muitas vezes invisíveis. Ao integrar esforços de assistência social, educação (mantendo crianças na escola) e segurança (com maior articulação com polícias e Judiciário), a gestão construiu um modelo de proteção que continua a ser aperfeiçoado.
Parcerias: A efetividade das ações deveu-se muito à colaboração com organizações da sociedade civil e órgãos de outras esferas. Projetos como o Programa ViraVida (do SESI/Conselho Nacional do SESI para jovens vítimas de exploração) foram aplicados em São Paulo em parceria com a Prefeitura, oferecendo cursos profissionalizantes a adolescentes resgatados. O Governo Federal foi parceiro tanto no financiamento (via PETI e outras transferências do Ministério do Desenvolvimento Social) quanto na operação do Disque 100 e em campanhas nacionais que São Paulo replicou localmente (como o 18 de Maio – Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual de Crianças). O Governo do Estado, por meio das Delegacias Especializadas (como a DDM e a Delegacia da Infância), trabalhou de forma coordenada com os CREAS e conselhos tutelares na apuração de denúncias e proteção às vítimas. Essa rede interinstitucional formou uma verdadeira teia de proteção, mostrando que a garantia dos direitos das crianças e adolescentes requer a união de esforços de todas as instâncias.
- Defesa dos Direitos das Mulheres e Enfrentamento à Violência Doméstica
Momento histórico e necessidades: A promulgação da Lei Maria da Penha em 2006, no início da gestão Kassab, foi um divisor de águas no combate à violência doméstica e de gênero no Brasil. Contudo, para que a lei tivesse efetividade, era necessário que os municípios estruturassem políticas locais de apoio às mulheres vítimas. São Paulo, como maior metrópole do país, precisava expandir sua rede de atendimento à mulher, que até então contava apenas com alguns serviços esparsos (por exemplo, uma única Casa Abrigo municipal e uma ou duas delegacias da mulher estaduais). As demandas incluíam: locais seguros para mulheres em risco se capacitarem e obterem orientação; serviços especializados para apoiá-las a sair do ciclo de violência; e espaços de promoção da igualdade de gênero. A gestão Kassab reconheceu essa urgência e concebeu a criação de uma rede municipal inédita de equipamentos voltados às mulheres.
Implementação – Centros de apoio e cidadania para mulheres: Entre 2007 e 2012 foram inaugurados na cidade:
- 6 Centros de Cidadania da Mulher (CCM) espaços comunitários voltados à qualificação, formação em cidadania e organização coletiva de mulheres. Nesses centros, localizados em diferentes regiões (Brasilândia, Capela do Socorro, Santo Amaro, Itaquera, Santa Cruz e Pirituba, por exemplo), as mulheres encontram cursos profissionalizantes, palestras sobre direitos (lei Maria da Penha, direitos reprodutivos etc.) e grupos de convivência. Os CCMs possuem salas multiuso, informática, cozinhas experimentais e áreas para artesanato, onde as frequentadoras podem aprender um ofício e discutir políticas de igualdade. Trata-se de espaços preventivos e emancipatórios, que estimulam o protagonismo feminino nas comunidades.
- 5 Centros de Defesa e Convivência da Mulher (CDCM) equipamentos dedicados a oferecer proteção e apoio psicossocial a mulheres em situação de violência doméstica. Diferentemente dos CCMs, que têm foco amplo, os CDCMs atendem casos encaminhados pelos serviços de saúde, delegacias ou demanda espontânea de mulheres vítimas de agressão, abuso sexual ou ameaças. Contam com equipe de advogadas, psicólogas e assistentes sociais que orientam juridicamente (sobre medidas protetivas, por exemplo) e oferecem terapia individual e em grupo para as vítimas. Os CDCMs também servem de espaço de convivência seguro, onde mulheres fragilizadas pela violência podem compartilhar experiências e reconstruir autoestima.
- 1 Centro de Referência da Mulher – CRM o primeiro do tipo em São Paulo, inaugurado em 2008 no centro da cidade. O CRM funciona como núcleo central especializado no atendimento às vítimas de violência de gênero, articulando os demais serviços. Além de atendimento similar ao dos CDCMs, o Centro de Referência da Mulher “Maria Maria” (nome dado ao local) realiza encaminhamentos para abrigamento quando necessário, faz a ponte com o Judiciário (auxiliando na obtenção de medidas protetivas) e capacita continuamente profissionais da rede pública sobre gênero e violência. Ele atua como hub da rede: recebe as demandas, as encaminha à rede socioassistencial (CREAS, casas de acolhida) e acompanha os casos de forma longitudinal.
Infraestrutura e parcerias nos centros: Os CCMs e CDCMs foram implementados muitas vezes em parceria com organizações não governamentais feministas ou assistenciais, via convênio. Por exemplo, o CDCM de Brasilândia foi gerido em colaboração com uma ONG local sob supervisão da Secretaria Municipal de Assistência Social. Já os CCMs contaram com parcerias para oferta de cursos – empresas e o SEBRAE ministraram oficinas de empreendedorismo feminino nos centros, e o SENAI apoiou cursos de capacitação técnica para mulheres. Cada centro foi equipado com salas de atendimento privativas, brinquedotecas (permitindo que mães participassem das atividades levando seus filhos) e materiais educativos. A Prefeitura investiu na formação de uma equipe qualificada: um concurso público para Especialistas em Assistência Social (perfil psicólogo e assistente social) em 2008 trouxe profissionais dedicados para compor o quadro desses novos serviços.
Dados de atendimento e expansão da proteção: Até 2012, graças a esses equipamentos, São Paulo passou a dispor de uma estrutura abrangente de suporte à mulher. Em números:
- Centros de Cidadania da Mulher (CCM): 6 unidades atendendo juntas centenas de mulheres por mês em cursos e atividades. Por exemplo, somente no CCM de Capela do Socorro, mais de 1.500 mulheres participaram de ações de formação nos primeiros dois anos.
- Centros de Convivência e Defesa (CDCM): 5 unidades que, em conjunto, realizaram milhares de atendimentos psicológicos e jurídicos. De 2008 a 2012, estima-se que mais de 20 mil mulheres vítimas de violência tenham sido acolhidas e orientadas pela rede municipal (somando CRM e CDCMs).
- Casa Abrigo: Além desses centros abertos, a Prefeitura manteve e reforçou a Casa Abrigo já existente (local sigiloso onde mulheres em risco de morte se refugiam temporariamente com seus filhos). Durante a gestão Kassab, os recursos para essa casa aumentaram, permitindo ampliar o número de vagas e o tempo de estadia seguro das mulheres, embora por segurança não se divulguem números exatos.
A Tabela 2 resume os novos equipamentos criados na gestão Kassab para defender os direitos das mulheres:
Equipamento de atendimento às mulheres | Unidades criadas (2006–2012) | Finalidade principal |
Centro de Cidadania da Mulher (CCM) | 6 unidades | Capacitação, organização e promoção de direitos (prevenção) |
Centro de Defesa e Convivência da Mulher (CDCM) | 5 unidades | Apoio psicossocial e jurídico a vítimas de violência doméstica |
Centro de Referência da Mulher (CRM) | 1 unidade | Atendimento especializado centralizado e coordenação da rede |
Casa Abrigo (sigilosa) | (expansão de vagas) | Proteção em local secreto para mulheres sob grave ameaça |
Tabela 2 – Equipamentos municipais voltados à mulher criados/expandidos na gestão Kassab.
Impactos e avaliação: A criação dessa rede facilitou a implementação efetiva da Lei Maria da Penha em São Paulo, garantindo que mulheres com medidas protetivas tivessem acompanhamento e orientação municipal. As mulheres passaram a dispor de locais amigáveis, ao contrário do ambiente policial muitas vezes intimidante das delegacias. Como resultado, houve aumento expressivo na procura por ajuda: a quantidade de boletins de ocorrência por violência doméstica registrados nas Delegacias da Mulher em São Paulo aumentou ano a ano pós-2006, o que é atribuído não necessariamente ao aumento da violência, mas à maior confiança das vítimas em denunciar, sabendo que teriam suporte. O engajamento comunitário dos CCMs também gerou frutos intangíveis – relatos indicam que muitas mulheres adquiriram autonomia econômica ao concluir cursos nos centros (por exemplo, aprendendo panificação ou corte-costura e iniciando pequenos negócios). Isso contribui para quebrar o ciclo de violência, pois a independência financeira é fator-chave para que mulheres consigam deixar parceiros abusivos.
O legado desses equipamentos permanece sólido. Todos os CCMs e CDCMs criados continuaram em operação em gestões posteriores e serviram de modelo para outras cidades. Em 2013, a nova gestão criou a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, absorvendo essa rede e ampliando-a (foram abertos outros centros na periferia inspirados nos CCMs). Ou seja, institucionalizou-se de vez a pauta de gênero na administração municipal, em grande parte graças ao alicerce construído entre 2006 e 2012.
Parcerias e transversalidade: A defesa dos direitos da mulher na gestão Kassab envolveu também cooperação com níveis estadual e federal. A Prefeitura trabalhou junto ao Tribunal de Justiça na implantação do 1º Juizado de Violência Doméstica em São Paulo, garantindo que informações das mulheres atendidas nos centros chegassem rapidamente aos juízes para apreciação de medidas protetivas. Colaborou com a Secretaria Estadual de Segurança para melhorar o atendimento nas Delegacias da Mulher e integrá-las aos centros (fluxo de encaminhamento). No âmbito federal, São Paulo foi piloto em iniciativas do Governo Federal como a campanha “Mulher, Viver sem Violência” lançada em 2010, recebendo recursos para aprimorar a estrutura de atendimento.
De igual modo, parcerias com a sociedade civil potencializaram resultados: a ONG Instituto Patrícia Galvão auxiliou na capacitação de profissionais com perspectiva de gênero; já o Fundo Social de Solidariedade municipal ofereceu alguns cursos profissionalizantes em determinados CCMs (por exemplo, formação em beleza/estética). Essa rede colaborativa demonstra que a promoção dos direitos das mulheres foi tratada de forma transversal, englobando aspectos de assistência social, justiça, segurança e desenvolvimento econômico, conforme a necessidade complexa do tema.
- Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo
Diagnóstico e concepção: São Paulo, cidade de população majoritariamente afrodescendente, historicamente carecia de mecanismos institucionais para combater a discriminação racial e promover igualdade de oportunidades. Embora existisse desde 2002 uma Coordenadoria dos Assuntos da População Negra (CONE) na estrutura municipal, faltava um órgão focal especializado para atendimento de vítimas de racismo e formulação de políticas específicas. No início do mandato Kassab, episódios de racismo em locais de trabalho, escolas e até violência policial ganhavam visibilidade, expondo a necessidade de um canal oficial de denúncia e acompanhamento. Atento a isso, ainda em 2006 o governo Kassab concebeu a criação de um centro dedicado a essa agenda, alinhado à luta contra o racismo institucional em nível nacional.
Criação do Centro de Referência em Direitos Humanos – Prevenção e Combate ao Racismo: Em 20 de novembro de 2006 (data simbólica do Dia da Consciência Negra), Kassab assinou o Decreto Nº 47.897/2006 criando o Centro de Referência em Direitos Humanos na Prevenção e Combate ao Racismo no município de São Paulolegislacao.prefeitura.sp.gov.br. Esse Centro, inaugurado fisicamente em 2009, foi estruturado para receber, registrar, encaminhar e acompanhar denúncias de discriminação racial e violência motivada por racismo. Tratava-se do primeiro equipamento municipal com essa finalidade no Brasil. Vinculado à CONE (Coordenadoria da População Negra), o Centro de Referência oferecia atendimento jurídico e psicológico gratuito às vítimas de racismo (por exemplo, casos de injúria racial, discriminação no emprego, ofensas em escolas). Além disso, promovia atividades de educação e conscientização, como oficinas em escolas sobre cultura afro-brasileira e palestras para servidores municipais visando reduzir práticas discriminatórias no serviço público.
No Centro, qualquer cidadão podia comparecer ou telefonar para relatar um caso de racismo; a equipe então orientava sobre os direitos legais, auxiliava na elaboração de boletins de ocorrência ou representação ao Ministério Público e acompanhava o desdobramento (processual ou administrativo) do caso até sua conclusão, prestando apoio à vítima. O órgão também mantinha um banco de dados das ocorrências para subsidiar políticas públicas.
Outras iniciativas de igualdade racial: Sob a égide do novo Centro e da CONE, a gestão Kassab realizou outras ações:
- Lançamento do Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial em 2010, com metas de inclusão de negros no mercado de trabalho, na educação e na saúde (por exemplo, meta de reduzir mortalidade materna de mulheres negras, que era mais alta que a média).
- Fortalecimento do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, garantindo recursos para suas conferências e implementação de propostas (a VIII Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial ocorreu em 2008 com apoio da Prefeitura).
- Eventos culturais e simbólicos, como o estabelecimento do Prêmio Zumbi dos Palmares para iniciativas de destaque no combate ao racismo e o apoio oficial ao Dia da Consciência Negra (feriado municipal a partir de 2004, mas reforçado com programação educativa nas unidades de cultura e educação na gestão Kassab).
Resultados e dados: O Centro de Referência de Combate ao Racismo, em seu primeiro ano de funcionamento pleno (2010), atendeu dezenas de casos que antes ficariam sem acompanhamento especializado. As estatísticas iniciais indicaram um aumento no registro de queixas formais de discriminação racial após a divulgação do serviço – interpretado como resultado da confiança gerada pela existência de um órgão de apoio. Diversas denúncias atendidas pelo Centro resultaram em abertura de inquéritos policiais ou processos judiciais bem-sucedidos, sinalizando para a sociedade que São Paulo não toleraria atos racistas.
Em termos de investimento e estrutura, a área de igualdade racial ganhou visibilidade dentro da Prefeitura. Até 2012, a CONE (responsável pelo Centro) já contava com sede própria e equipe multidisciplinar, incluindo advogados e sociólogos. O engajamento popular também cresceu: o número de participantes nas Marchas da Consciência Negra em São Paulo aumentou a cada ano, muito em razão do maior apoio logístico e institucional dado pela Prefeitura a esses movimentos.
Legado e continuidade: A iniciativa de Kassab lançou bases sólidas para a institucionalização da pauta racial. Em 2013, a nova gestão fundiu a CONE e outros departamentos na recém-criada Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, ampliando e dando status de primeiro escalão a esse setor – um desdobramento lógico do caminho iniciado em 2006. O Centro de Referência continua ativo (posteriormente renomeado Centro de Referência de Promoção da Igualdade Racial), aprimorado com maior divulgação e integração a outros centros de direitos humanos criados após (para mulheres, LGBT, imigrantes etc.), formando uma rede de combate a discriminações. O modelo paulistano influenciou outras cidades a criarem serviços similares de denúncia de racismo.
Parcerias: A promoção da igualdade racial na gestão Kassab envolveu parcerias com organizações do movimento negro e com o Governo Federal. A Prefeitura alinhou suas ações com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) do governo federal (criada em 2003), captando recursos de editais federais para projetos locais – por exemplo, um convênio com a SEPPIR ajudou a financiar oficinas de capacitação de jovens negros em São Paulo. Houve cooperação com a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) que firmou termo de colaboração para atender juridicamente vítimas de racismo encaminhadas pelo Centro de Referência, ampliando a capacidade de suporte legal. Organizações tradicionais da comunidade negra paulistana – como a UNI Palmares e o Geledés – Instituto da Mulher Negra – atuaram juntas à Coordenadoria, seja na formulação de políticas (ocupando assentos no Conselho da Comunidade Negra) seja na execução de atividades educativas financiadas pelo município.
Em resumo, Kassab formalizou e fortaleceu a luta antirracista na esfera municipal, dotando São Paulo de instrumentos concretos para prevenir e combater o racismo, uma conquista que se estende muito além de seu mandato.
- Defesa da Diversidade Sexual e Direitos da População LGBTQ+
Cenário e motivação: São Paulo é reconhecida internacionalmente por sua diversidade sexual e de gênero – abrigando a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo – porém, em meados dos anos 2000, pessoas LGBTQ+ ainda enfrentavam discriminação severa e careciam de políticas públicas específicas. Antes de 2008, não havia um centro público dedicado a essa população. A demanda vinha de movimentos sociais e ONGs que apontavam a necessidade de serviços de apoio social e de saúde para população LGBT em vulnerabilidade (especialmente jovens expulsos de casa, profissionais do sexo, pessoas trans) e de ações educativas contra a homofobia. A gestão Kassab assumiu essas pautas e, em diálogo com a sociedade civil, planejou ações pioneiras para inclusão dessa comunidade.
Criação do Centro de Referência da Diversidade (CRD): Em 12 de março de 2008, foi inaugurado no centro de São Paulo (Rua Major Sertório, 292) o 1º Centro de Referência e Defesa da Diversidade. Este centro, resultado de uma parceria entre a Prefeitura, a União Europeia e o projeto social “Nós do Centro”, foi pensado para atender homens e mulheres LGBTQ+, profissionais do sexo, travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade social. Com instalações amplas capazes de acolher até mil pessoas, o CRD oferece uma variedade de serviços gratuitos:
- Atendimento social e psicológico: equipes multidisciplinares auxiliam nos desafios específicos vividos por LGBT vulneráveis – por exemplo, mediação de conflito familiar, orientação sobre retificação de nome civil para pessoas trans, suporte emocional contra discriminação.
- Defesa de direitos e assessoria jurídica: um dos focos é garantir os direitos da população LGBT vivendo com HIV/Aids e combater a discriminação. Advogados orientam usuários sobre como proceder em casos de violência homofóbica ou transfóbica, e o centro acompanha eventuais denúncias, similar ao modelo do centro antirracismo.
- Oficinas profissionalizantes e geração de renda: visando a autonomia financeira desse público (muitos travestis e trans tinham dificuldade de inserção formal no mercado de trabalho, por exemplo), o CRD promove oficinas e cursos de capacitação em diversas áreas – de cabeleireiro/estética a costura e informática – em parceria com programas municipais de emprego. Essas oficinas eram orientadas à geração de renda e empreendedorismo para LGBTQ+ marginalizados.
- Grupos socioeducativos e convívio: o centro organiza grupos de apoio (como grupo de jovens LGBT, grupo de idosos LGBT) e atividades culturais, criando um espaço seguro de convivência e construção de cidadania, reduzindo o isolamento social que muitos sofriam.
O CRD de São Paulo foi pioneiro na América Latina, servindo de modelo para outras capitais. Sua implementação representou um marco de que a Prefeitura assumia a responsabilidade pela proteção e inclusão da comunidade LGBT, não mais delegando apenas às ONGs.
Maior Parada LGBT do mundo: Além de serviços fixos, a gestão Kassab apoiou fortemente eventos e campanhas pela diversidade. Durante seu mandato, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo consolidou-se como a maior do planeta: em 2012, alcançou a 16ª edição reunindo um público de 3,5 milhões de pessoas. A Prefeitura contribuiu ampliando a infraestrutura (trânsito, segurança, limpeza urbana) e, principalmente, incorporando a Parada como evento oficial do calendário da cidade, o que facilitou patrocínios e envolvimento de secretarias (Saúde distribuindo preservativos, Direitos Humanos com tendas informativas, etc.). Em 2011, por exemplo, a Avenida Paulista ganhou decoração temática e a mensagem da Parada (“Homofobia tem cura: educação e criminalização”) foi divulgada nos meios institucionais, demonstrando apoio do poder público à causa. Esse respaldo trouxe visibilidade positiva e ajudou a sensibilizar a sociedade contra a homofobia.
Políticas complementares: A Prefeitura, via Coordenadoria de Diversidade Sexual (CADS) criada dentro da Secretaria de Participação e Parceria, também executou:
- Capacitação de servidores em atendimento a pessoas LGBT: inclusive na área de saúde (treinamento de profissionais para atender população trans nas unidades básicas) e na Guarda Civil Metropolitana (instruções para abordagem sem discriminação).
- Campanhas educativas: veiculação de materiais contra a homofobia nas escolas municipais e nos serviços de saúde, em sintonia com o tema da Parada 2012 que focou educação e criminalização da homofobia.
- Conselho Municipal LGBT: apoio à criação (em 2010) e funcionamento do primeiro Conselho Municipal dos Direitos LGBT, fórum com participação da sociedade civil para propor políticas (embora a formalização legal só tenha ocorrido em 2015, a gestão Kassab iniciou sua formatação).
Impactos e resultados: O Centro de Referência da Diversidade atendeu cerca de 100 mil pessoas nos seus primeiros anos, um número significativo que indica a demanda reprimida existente. Muitas histórias de sucesso surgiram: por exemplo, travestis que receberam capacitação no CRD conseguiram emprego formal ou iniciaram microempreendimentos (costura, gastronomia), reduzindo a exposição à prostituição de rua. Pessoas LGBT em situação de rua passaram a ter encaminhamento diferenciado via CRD, que as conectava a albergues inclusivos e serviços de saúde especializados (como o ambulatório de saúde integral para travestis e transexuais, inaugurado pelo Estado em 2009).
A Parada LGBT, apoiada pela gestão, tornou-se não apenas um evento festivo mas também uma plataforma política contra a homofobia, com alcance internacional – essa projeção ajudou na pressão pela aprovação de leis antidiscriminação. Embora o projeto de lei nacional que criminaliza a homofobia só tenha se concretizado anos depois, a visibilidade e o lobby local contribuíram para avanços, como a criação em 2012 de uma delegacia especializada em crimes de ódio pelo governo estadual, muito demandada pelos ativistas paulistanos.
Legado: O enfoque dado aos direitos LGBTQ+ na gestão Kassab foi precursor no Brasil. O Centro de Referência da Diversidade continua ativo até hoje (posteriormente integrado à Secretaria de Direitos Humanos municipal), e inspirou a instalação de Centros de Cidadania LGBT regionais nas gestões posteriores, ampliando a capilaridade do atendimento iniciado no centro. A permanência e ampliação dessas políticas confirmam o legado de Kassab na área: São Paulo seguiu liderando em políticas LGBT, tendo sido a primeira cidade a ter plano municipal de promoção da cidadania LGBT (lançado em 2015, mas com base em diagnósticos coletados desde o CRD).
Parcerias: Conforme mencionado, o CRD foi fruto de uma parceria inovadora com a União Europeia, que aportou recursos através de um programa de cooperação internacional para direitos humanos urbanos. Além disso, a ONG Grupo Pela Vidda-SP (voltada a HIV/Aids) e outras organizações (CASA Brenda Lee, Associação da Parada LGBT) participaram da gestão do espaço e oferta de atividades, numa cogestão com a Prefeitura. O Governo do Estado cooperou ao alinhar o Centro de Referência em DST/Aids com o CRD para ações conjuntas de testagem e tratamento de ISTssaude.sp.gov.br
. A transversalidade interna também foi notável: Secretarias de Saúde, Trabalho e Educação contribuíram com profissionais e programas (por exemplo, os Telecentros – ver Cap. 11 – cederam espaço para cursos de informática no CRD). Tudo isso reforça que o avanço em direitos LGBT foi construído de forma colaborativa, com a Prefeitura atuando como catalisadora e coordenadora dos esforços.
- Inclusão das Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida
Contexto histórico: Até o início dos anos 2000, pessoas com deficiência em São Paulo enfrentavam enormes barreiras de acessibilidade urbana e acesso a serviços. Havia pouca adaptação no transporte público, calçadas irregulares, escolas sem recursos inclusivos e quase nenhuma política municipal específica além de alguns programas estaduais. A falta de coordenação entre áreas resultava em ações fragmentadas. Diante desse quadro e inspirada pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (adotada em 2006), a gestão Kassab decidiu promover uma transformação abrangente, tratando a inclusão da pessoa com deficiência como prioridade transversal em mobilidade, saúde, educação e assistência social.
Inovação institucional – SMPED: Um primeiro passo simbólico e prático foi a criação da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED). Oficialmente criada em 2007 (início do segundo mandato), essa foi a primeira secretaria exclusiva para assuntos da deficiência no Brasil. Com status de primeiro escalão, sua missão era promover a transformação social necessária à inclusão das pessoas com deficiência e articular políticas intersecretariais. A SMPED passou a coordenar programas antes dispersos e a desenvolver novos projetos integrados, contando com conselho consultivo de pessoas com deficiência para orientá-la. A criação dessa pasta pioneira evidenciou o compromisso da gestão: pela primeira vez, a voz das pessoas com deficiência estaria representada no alto escalão da administração municipal.
Melhorias na acessibilidade urbana e mobilidade: Grande investimento foi direcionado para tornar a cidade mais acessível fisicamente:
- Transporte Público Acessível: Em 2004, menos de 2% da frota de ônibus municipais era adaptada para cadeirantes (com elevadores ou piso baixo), apenas 297 ônibus acessíveis de um total de mais de 15 mil. Kassab estabeleceu metas anuais de exigência de acessibilidade nos novos ônibus e adaptou veículos antigos. Como resultado, até o final de 2012 havia 8.801 ônibus acessíveis em circulação, representando 58,6% de toda a frota equipada com rampas ou elevadores. Esse é um salto impressionante em pouco tempo e fez de São Paulo líder nacional em frota acessível. O sistema de transporte passou a permitir que milhares de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida se deslocassem com autonomia pela cidade, algo que antes era uma “desagradável aventura” ou simplesmente impossível.
- Também foi ampliado o serviço Atende, transporte porta-a-porta gratuito destinado a pessoas com deficiência severa que não podem usar ônibus comuns. A frota de vans do Atende cresceu 44% (de 268 veículos em 2004 para 388 em 2012), possibilitando quase 1 milhão de viagens/ano e atendendo cerca de 100 mil pessoas diferentes em 2012. Esse aumento de capacidade reduziu a fila de espera do serviço e ampliou a cobertura geográfica.
- Calçadas e vias acessíveis: Em 2008, foi lançado o Programa Emergencial de Calçadas, que definiu regras rígidas para reforma de passeios públicos, especialmente em áreas de grande fluxo e corredores de transporte, tornando obrigatória a instalação de piso tátil e rampas de acesso nas esquinas. Com esse programa, a Prefeitura adaptou cerca de 460 km de calçadas em todas as regiões, um comprimento equivalente à distância de São Paulo a Barretos. Trata-se de um recorde de extensão de passeios requalificados com acessibilidade. Regiões emblemáticas como a Avenida Paulista e o centro histórico receberam calçadas niveladas e com faixas táteis, facilitando a locomoção de pessoas cegas e cadeirantes. Esse esforço atenuou um problema crônico e serviu de exemplo normativo (piso tátil e rampas tornaram-se padrão).
- Edificações públicas acessíveis: A SMPED conduziu auditorias de acessibilidade em centenas de próprios municipais (escolas, postos de saúde, bibliotecas) e promoveu adequações – instalação de banheiros acessíveis, plataformas elevatórias, eliminação de barreiras arquitetônicas. Embora não haja um dado agregado no período, diversos equipamentos foram certificados como acessíveis pela própria secretaria até 2012.
Inclusão educacional – Programa Inclui: Na educação, a Prefeitura reverteu a lógica anterior de exclusão escolar. Em 2010 foi lançado o Programa Inclui, o maior e mais completo programa de inclusão escolar do país na época. A meta era garantir que alunos com qualquer tipo de deficiência tivessem condições de aprender junto com os demais na rede regular. As principais ações do Inclui:
- Formação de professores: milhares de professores passaram por capacitações em educação especial para saber lidar com alunos com deficiência intelectual, visual, auditiva ou motora em sala de aula regular.
- Infraestrutura nas escolas: adaptação de salas de aula, instalação de recursos de acessibilidade (mapas táteis, livros em braile, softwares de voz para computadores em salas de recurso multifuncionais).
- Auxiliares de Vida Escolar (AVEs): inovação do programa Inclui, os AVEs são cuidadores/monitores treinados para dar suporte individual a alunos com deficiências severas durante o período escolar. Até o final de 2012, havia mais de 700 Auxiliares de Vida Escolar em atividade nas escolas municipais. Esses profissionais acompanhavam alunos com deficiência física (que precisam de ajuda para se locomover ou realizar tarefas motoras) e com deficiência intelectual severa ou transtorno do espectro autista, auxiliando na comunicação e integração nas atividades. Graças a eles, cerca de 15 mil alunos com necessidades especiais matriculados na rede puderam receber atenção adequada e permanecer na escola regular com seus colegas.
- Aumento de matrículas inclusivas: o programa resultou na matrícula de muitas crianças com deficiência que antes ficavam fora da escola ou em instituições segregadas. A rede municipal passou a matricular praticamente todos os alunos com deficiência em idade escolar, cumprindo a política de educação inclusiva.
Rede de reabilitação e saúde inclusiva: Outra frente importante foi na área da saúde e reabilitação:
- Rede de Atenção à Pessoa com Deficiência: Criada em 2012, essa rede integrou diversos serviços de saúde especializados. Durante a gestão Kassab foram estabelecidos 35 Núcleos de Reabilitação (NIR) para fisioterapia, terapia ocupacional e reabilitação física, 17 Núcleos Integrados de Saúde Auditiva (NISA) para atendimento a pessoas com deficiência auditiva (incluindo adaptação de aparelhos) e 29 Núcleos de Apoio à Inclusão Social (NAISPD) para orientação familiar e inclusão comunitária. Esses núcleos funcionavam em unidades de saúde e centros de referência, criando a maior rede municipal de reabilitação do país.
- Parcerias com centros de excelência: Em 2010, Kassab formalizou por decreto a doação de dois terrenos municipais para a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), permitindo a construção de duas novas unidades da AACD na capital, inauguradas em 2011. Juntas, essas unidades adicionaram capacidade para cerca de 430 atendimentos de reabilitação por dia, ampliando drasticamente a oferta de terapias físicas, ocupacionais e fonoaudiológicas para crianças com deficiência – um recorde de expansão em parceria público-cívica.
- Acompanhantes de Saúde (deficiência intelectual): Em 2010 foi criado o programa “Inclui Saúde” com o Acompanhante de Saúde para Pessoas com Deficiência Intelectual. Consistia em designar profissionais capacitados para acompanhar indivíduos com deficiência intelectual severa aos serviços de saúde, lazer, educação e trabalho, garantindo que eles pudessem usufruir desses espaços com suporte necessário. Esse programa inovador atendeu muitos jovens e adultos que, sozinhos, teriam dificuldade de frequentar uma UBS ou um curso, por exemplo.
- Triagem Neonatal Auditiva Universal: Também em 2010 a Prefeitura implementou em todas as maternidades municipais o chamado “Teste da Orelhinha” (Triagem Auditiva Neonatal). Pela primeira vez, todos os bebês nascidos em hospitais municipais passaram a ser testados para detecção precoce de deficiência auditiva. Isso representou um avanço enorme, pois a identificação precoce permite intervenção imediata (uso de aparelho, terapia fonoaudiológica), melhorando o desenvolvimento da criança. A integração do teste no protocolo hospitalar municipal tornou São Paulo referência nacional em saúde auditiva infantil.
Dados consolidados e recordes: Os esforços integrados produziram resultados visíveis e mensuráveis:
- Acessibilidade no transporte: como mencionado, 8.801 ônibus acessíveis em 2012 contra 297 em 2004(de 2% para 58,6% da frota adaptada). O gráfico de evolução anual mostraria um crescimento íngreme durante 2006–2012, um dos legados mais notáveis da gestão. O programa Atende realizou 1 milhão de viagens em 2012, número sem precedentes.
- Infraestrutura social e de saúde: 35 centros de reabilitação, 17 auditivos, 29 de inclusão social criados. Esses números configuram a maior rede municipal de reabilitação do Brasil até então, premiada em congressos de saúde pública.
- Educação inclusiva: 700+ monitores AVE inseridos e 15 mil alunos com deficiência atendidos nas escolas regulares. Vale notar que em 2005 a rede tinha bem menos alunos inclusos (muitos estavam em escolas especiais conveniadas); ou seja, houve um aumento significativo da inclusão real.
- Calçadas acessíveis: 460 km adaptados, cobrindo importantes eixos urbanos e servindo de exemplo para particulares nas adjacências.
Impacto humano e social: As políticas para pessoas com deficiência tocaram diretamente a vida de centenas de milhares de paulistanos. Pessoas antes isoladas em casa pela falta de transporte adequado puderam sair para trabalhar e estudar. Crianças com deficiência passaram a frequentar a escola do bairro junto com as demais, mudando a cultura da inclusão desde cedo. Famílias de baixa renda com filhos com deficiência encontraram na rede pública apoios terapêuticos de qualidade (reabilitação da AACD via SUS, núcleos municipais), aliviando sofrimento e despesas. O conjunto de ações promoveu um salto de autonomia e cidadania para essa parcela da população, antes invisibilizada.
Legado e continuidade: A gestão Kassab fincou as bases de uma cidade mais inclusiva, e esse legado se manteve. A SMPED continuou existindo nas gestões seguintes (tornando-se modelo para outras cidades criarem secretarias similares) e vários projetos tiveram sequência. Por exemplo, a meta de frota 100% acessível foi praticamente alcançada em 2014, seguindo o ritmo estabelecido. Os Auxiliares de Vida Escolar se tornaram política permanente na educação municipal e até estadual (o Governo do Estado criou programa análogo nas escolas estaduais inspirado no Inclui). O Censo-Inclusão iniciado em 2012, primeiro levantamento sistemático da população com deficiência em São Paulo, foi finalizado em 2013, fornecendo dados valiosos que orientam políticas até hoje. Portanto, o avanço não foi efêmero: São Paulo consolidou-se como referência nacional em acessibilidade e inclusão, fruto das realizações de 2006–2012.
Parcerias: Todos esses êxitos contaram com ampla rede de parcerias. No transporte acessível, a Prefeitura atuou junto às empresas concessionárias de ônibus exigindo as adaptações, ao mesmo tempo em que recebeu isenções fiscais do Governo Federal para aquisição de ônibus acessíveis (desoneração de IPI). Na saúde, as parcerias com a AACD e outras entidades (APAE em deficiência intelectual, por exemplo) foram cruciais, combinando expertise do terceiro setor com investimento público – um exemplo bem-sucedido de PPP social. Organizações de pessoas com deficiência (como a Associação dos Cadeirantes, Adeva – Associação de Deficientes Visuais) participaram ativamente da formulação das políticas através de conselhos e consultas, garantindo que as soluções atendessem às reais necessidades. O Governo Federal também apoiou financeiramente via o Viver sem Limite (plano nacional lançado em 2011), do qual São Paulo foi beneficiária: recebeu vans e equipamentos para reabilitação.
Assim, a inclusão da pessoa com deficiência foi tratada de forma multisetorial e colaborativa, o que explica em grande parte o sucesso e a sustentabilidade dessas políticas.
- Habitação Social e Urbanização de Favelas: Inclusão pela Moradia Digna
Problema histórico: No início do século XXI, São Paulo apresentava um grande déficit habitacional qualitativo e quantitativo. Centenas de milhares de famílias viviam em favelas ou loteamentos precários, muitas vezes em áreas de risco ambiental (encostas, beiras de córregos) ou em condições insalubres. Programas habitacionais anteriores tinham ritmo aquém do necessário. Em 2005, a cidade investia cerca de R$200 milhões por ano em habitação【22†】, valor insuficiente para enfrentar o passivo acumulado. Havia a necessidade de uma política habitacional vigorosa e integrada com assistência social, pois a falta de moradia adequada é causa profunda de vulnerabilidade social e violação de direitos básicos.
Solução – Maior programa de urbanização de favelas do Brasil: A gestão Kassab, dando continuidade e ampliando projetos iniciados na gestão anterior (Serra), implantou a partir de 2007 o Programa de Urbanização de Favelas em larga escala, considerado o maior do Brasil em âmbito municipal. A estratégia foi dupla:
- Urbanizar grandes favelas emblemáticas por completo, transformando-as em bairros com infraestrutura formal.
- Espalhar intervenções de melhoria em dezenas de outras comunidades, conforme recursos e parcerias, atacando problemas críticos (áreas de risco, falta de saneamento) e provendo moradias seguras.
Os casos símbolos foram Heliópolis e Paraisópolis, as duas maiores favelas de São Paulo, que se tornaram laboratórios do programa. Em Heliópolis (zona sudeste) e Paraisópolis (zona sul), a Prefeitura atuou de forma integrada: abertura de vias asfaltadas, implantação de redes de água e esgoto, iluminação pública, construção de equipamentos de lazer, educação e saúde dentro das comunidades e, principalmente, edificação de conjuntos habitacionais no local para substituir moradias insalubres. Apenas nessas duas favelas, 2.970 moradias novas (casas e apartamentos) foram entregues até final de 2012, realocando famílias que viviam em barracos. Outras 1.046 unidades habitacionais estavam em obras avançadas nessas áreas na mesma época. A transformação física foi enorme: ruas antes de terra e becos alagadiços deram lugar a avenidas, praças e edifícios coloridos (um exemplo emblemático é o conjunto habitacional Zebrinha, em Heliópolis, com arquitetura humanizada, que se tornou cartão-postal da urbanização).
Além dessas, o Programa de Urbanização beneficiou 18 outras comunidades em vários pontos da cidade. Entre elas, destacam-se projetos em favelas como Jardim Pantanal (zona leste, área de várzea frequentemente inundada, onde foi feita drenagem e reassentamento), Cantinho do Céu (zona sul, às margens da Represa Billings, onde moradias foram reorganizadas e a represa despoluída em trechos) e Favela do Sapé (zona oeste, urbanizada com construção de prédios no local). Ao todo, mais de 25 mil famílias foram beneficiadas por obras de urbanização de favelas até 2012, seja recebendo uma nova habitação, seja tendo sua casa integrada à cidade com infraestrutura completa. Isso significa melhoria direta nas condições de vida de aproximadamente 100 mil pessoas de baixa renda – um impacto social imenso.
Simultaneamente, a Prefeitura atacou áreas de risco: identificou-se locais onde barracos em encostas e beira de córregos ameaçavam vidas. Equipes da Defesa Civil e Habitação removeram preventivamente famílias dessas áreas (pagando aluguel-social temporário) e realizaram obras de contenção ou construção de parques lineares, eliminando o risco. Também houve investimento em urbanização de cortiços no centro, mas em menor escala (programa Bairro Legal, que reformou alguns prédios ocupados para habitação digna).
Recursos e parcerias – PAC e Casa Paulista: Executar um programa habitacional dessa magnitude exigiu muito investimento. A gestão Kassab elevou o orçamento municipal de habitação de R$200 milhões (2004) para cerca de R$2 bilhões em 2012, um aumento de 10 vezes, sem precedentes. Isso foi possível combinando recursos próprios com parcerias estaduais e federais:
- O Governo Federal, via PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), cofinanciou várias urbanizações de favelas. Por exemplo, Paraisópolis recebeu recursos do PAC Habitação a partir de 2007, assim como Heliópolis. A União também investiu em empreendimentos do programa Minha Casa, Minha Vida (lançado em 2009) em São Paulo, e muitos deles se articularam ao plano municipal (familias removidas de favelas foram reassentadas em parte nesses conjuntos do MCMV).
- O Governo Estadual de São Paulo participou através do programa Casa Paulista e da CDHU, coexecutando obras e repassando verbas para algumas intervenções (especialmente em favelas de mananciais na zona sul).
- Instituições internacionais reconheceram e premiaram os esforços: o programa paulistano recebeu o Prêmio Scroll of Honour da ONU-Habitat, um dos mais importantes em habitação, pela escala e impacto das urbanizações realizadas.
Resultados urbanísticos e sociais: As paisagens foram transformadas e a vida de milhares de pessoas mudou, conforme registrado no prêmio da ONU. Onde antes havia assentamentos informais surgiram bairros integrados: ruas com endereço oficial, coleta de lixo regular, iluminação e equipamentos públicos. A regularização fundiária deu dignidade a famílias com a titulação de suas moradias. Serviços públicos (como assistência social, saúde da família, educação infantil) passaram a entrar nessas áreas urbanizadas sistematicamente, pois a infraestrutura permitiu. Além disso, a proteção ambiental foi beneficiada: ao urbanizar bairros precários nas margens de represas (Billings e Guarapiranga), a cidade controlou a poluição difusa da água e recuperou áreas verdes, assegurando água potável para a metrópole.
No aspecto social, a urbanização de favelas gerou emprego local durante as obras (muitos moradores foram contratados nos canteiros) e, após, criou um sentimento de cidadania. Moradores que antes se sentiam excluídos do desenvolvimento urbano passaram a usufruir de espaços de lazer, escolas, unidades de saúde dentro de suas comunidades. Por exemplo, Paraisópolis ganhou uma ETEC (escola técnica) e três creches, além de telecentro e centro cultural, graças ao programa. Isso ampliou oportunidades educacionais e de qualificação para os jovens dali, rompendo um ciclo geracional de pobreza. Em Heliópolis, a abertura de uma ampla avenida e implantação de comércio formal valorizou a região e atraiu investimentos privados, gerando melhoria econômica.
Continuidade pós-2012: Ao final de 2012, estavam em obras mais 27 núcleos de favelas, projetos iniciados por Kassab que ficariam a cargo da gestão seguinte concluir. Assim, o programa teve fôlego além do mandato, garantindo fluxo de melhorias pelos anos seguintes. A administração posterior (2013-2016) manteve boa parte dessas obras e iniciou outras, ainda que em ritmo reduzido devido a restrições orçamentárias. Mas o novo marco estava estabelecido: o padrão de investimento em habitação se elevou, a cultura de urbanizar (e não remover) favelas consolidou-se como política pública de São Paulo. De 2005 a 2012, estima-se que mais de 40 mil unidades habitacionais tenham sido entregues na cidade somando urbanização e projetos novos, um volume expressivo comparado a décadas anteriores.
Parcerias sociais: Além das esferas governamentais, o sucesso do programa deve muito à participação das comunidades locais e movimentos de moradia. Em Paraisópolis e Heliópolis, associações de moradores atuaram junto com a Prefeitura no planejamento das intervenções, indicando prioridades e realocando famílias de forma pacífica. Os Escritórios de Gestão Participativa instalados nas favelas urbanizadas permitiram diálogo constante. Movimentos como a União dos Movimentos de Moradia (UMM) e líderes comunitários foram parceiros críticos para mediar conflitos e assegurar que as obras atendessem às necessidades reais (por exemplo, definindo quais famílias teriam direito a novas unidades e quais receberiam auxílio para sair de áreas de risco). Essa abordagem participativa foi fundamental para a sustentabilidade das melhorias, pois gerou senso de pertencimento e cuidado dos moradores com o novo bairro.
Relação com assistência social: Importante notar que a habitação popular agiu como política transversal de assistência social. Muitas famílias beneficiadas estavam em situação de extrema pobreza; ao recebê-las em programas de urbanização, a Prefeitura integrava a ação com acompanhamento social – os CRAS mapeavam as famílias vulneráveis realocadas, garantindo inscrição em programas de transferência de renda, acesso a creches, etc. Ou seja, a casa nova veio acompanhada de porta de saída da miséria para muitos, fechando o ciclo de vulnerabilidade. Isso reforça o caráter multifacetado das realizações da gestão Kassab, combinando infraestrutura, assistência e direitos humanos (afinal, morar dignamente é um direito humano básico).
- Virada Social: Segurança Cidadã Integrada em Comunidades de Alto Risco
Contexto de violência urbana: Em 2007, São Paulo ainda apresentava bolsões de alta criminalidade em alguns bairros periféricos marcados por exclusão social e presença de atividades ilícitas. Casos extremos, como uma sequência de chacinas no Jardim Elisa Maria (Brasilândia, zona norte), chocaram a cidade no início daquele ano. A resposta convencional de segurança – ocupações policiais – tinha efeito temporário se não acompanhada de ações sociais que removessem as causas profundas (falta de oportunidades, ausência do Estado, degradação do espaço urbano). Foi nesse cenário que se gestou a ideia de uma intervenção inédita, batizada de Virada Social, articulando segurança pública e promoção social simultaneamente.
Concepção da Virada Social: Inspirada no sucesso da Virada Cultural (evento contínuo de 24h de atividades culturais), a Virada Social foi concebida como um mutirão intergovernamental de dois dias em comunidades vulneráveis, levando uma enxurrada de serviços e melhorias materiais ao mesmo tempo em que as forças de segurança garantiam tranquilidade. O governador José Serra e o prefeito Kassab uniram esforços para lançar esse projeto-piloto. A Virada Social visava “inaugurar uma nova modalidade de enfrentamento da violência”, combinando “trabalho de segurança indispensável com trabalho social”.
Execução piloto – Jardim Elisa Maria: A primeira Virada Social ocorreu em maio de 2007 no Jardim Elisa Maria, bairro da Brasilândia. Na primeira etapa, em março, houve a Operação Saturação: cerca de 600 policiais militares (Tropa de Choque, ROCAM, Cavalaria e outras unidades) ocuparam o bairro por 74 dias para reduzir drasticamente os índices de criminalidade. De fato, nesse período, tentativas de homicídio caíram 100%, homicídios dolosos caíram 50%, roubos 33% e furtos 26% naquela área, um resultado impressionante atribuído à forte presença policial.
Na sequência, nos dias 26 e 27 de maio de 2007, entrou em cena a Virada Social propriamente dita, com a Prefeitura e Estado levando uma gama de serviços gratuitos à comunidade:
- Atendimento de saúde: montagem de tendas com médicos e enfermeiros para consultas, vacinação e exames básicos; unidade móvel odontológica; distribuição de medicamentos.
- Orientação jurídica e social: defensores e assistentes sociais auxiliando moradores em questões de documentação, direitos do consumidor, acesso a benefícios sociais.
- Atividades culturais e recreativas: shows musicais, teatro de rua, recreação infantil (cama elástica, contação de histórias) para envolver a comunidade num clima festivo.
- Melhorias urbanas imediatas: durante o fim de semana da Virada, foram realizadas ações de zeladoria como recapeamento de ruas, instalação de postes de iluminação em pontos antes escuros, limpeza de bueiros e cata-bagulho (retirada de entulho). A Prefeitura aproveitou a mobilização para anunciar obras estruturantes: Kassab lançou a construção de uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial) e de uma Escola Municipal no Jardim Elisa Maria, atendendo antigas reivindicações locais.
- Esporte e lazer: campeonatos relâmpago de futebol, oficinas de dança de rua, etc., para integrar os jovens.
A ação integrada foi inédita: “Nunca se fez nada parecido”, afirmou Serra na ocasião. Kassab destacou que a iniciativa “vem ao encontro das aspirações da comunidade” ao levar serviços importantes na área social dentro de dois dias intensos, e que seria expandida a outras regiões.
Resultados do piloto: A Virada Social no Elisa Maria foi considerada bem-sucedida em conquistar os moradores. Houve grande adesão aos serviços – filas para documentos e saúde, crianças participando das atividades recreativas, etc. A percepção de segurança aumentou significativamente, com a comunidade relatando sensação de retomada do território pelo Estado. Segundo avaliação posterior, a continuidade combinada da presença policial com as melhorias urbanas ajudou a consolidar a queda da criminalidade ali por um período mais longo, diferentemente de intervenções apenas repressivas.
Expansão a outras áreas: Animados com o piloto, Kassab e Serra planejaram replicar a Virada Social em outros locais problemáticos. Foram mencionados Lajeado (zona leste) e Grajaú (zona sul) como próximos alvos. De fato, ainda em 2007 ocorreram Viradas Sociais no Jardim Lajeado (distrito de Guaianases) e no Grajaú, seguindo o mesmo modelo – ocupação policial seguida de fim de semana de mutirão social. Além desses, houve edições na favela de Paraisópolis em 2008, alinhada às obras de urbanização: após uma ação da PM lá, a Virada Social levou serviços e lazer à comunidade, reforçando o vínculo do Estado com moradores em meio às transformações. Em Paraisópolis, por exemplo, registrou-se grande procura por exames de vista e emissão de RG durante o evento, suprindo demandas reprimidas.
Limites e legado: A Virada Social, por sua natureza, foi uma ação de curto prazo (um “empurrão inicial”) para alterar dinâmicas locais de violência, precisando de complementos permanentes. Seu legado positivo foi ter demonstrado, em plena prática, a efetividade da integração entre segurança e assistência. Influenciou políticas posteriores de segurança cidadã, como os programas de “ocupação social” em comunidades do Rio de Janeiro (UPPs Sociais) e projetos federais nos Territórios da Paz, que combinavam presença policial com ofertas de serviço. Em São Paulo, a ideia de Virada Social não teve continuidade regular após 2008, devido à própria complexidade logística e mudança de prioridades. Contudo, muitos dos investimentos anunciados nas Viradas foram efetivados: as escolas, unidades de saúde e infraestrutura prometidas foram entregues, trazendo benefícios duradouros.
Como iniciativa, a Virada Social evidenciou que políticas públicas integradas podem obter ganhos rápidos em áreas críticas – ainda que manter esses ganhos exija persistência. O aprendizado institucional ficou. Hoje é consenso que intervenções em áreas conflagradas devem envolver tanto a polícia quanto ações sociais (educação, esporte, trabalho), algo que Kassab e Serra já colocaram em prática em 2007.
Parcerias institucionais: Por se tratar de uma ação essencialmente cooperativa, a Virada Social foi um expoente de parceria entre Prefeitura e Governo do Estado. A coordenação envolveu a Secretaria Estadual de Segurança Pública e várias secretarias municipais (Assistência Social, Saúde, Trabalho, Esportes, Serviços). A participação da comunidade local também foi buscada: lideranças comunitárias ajudaram a divulgar a Virada e a incentivar moradores a aproveitar os serviços em vez de temer a ocupação policial. Houve relatos de que traficantes e criminosos fugiram da região no período, permitindo um recomeço comunitário.
Em síntese, a Virada Social foi uma realização inovadora da gestão Kassab que, embora pontual, simbolizou o compromisso com uma abordagem holística da segurança cidadã – reconhecendo que direitos humanos e assistência caminham lado a lado com a repressão qualificada ao crime, para se alcançar paz social.
- Inclusão Digital e Programas Complementares de Cidadania
Telecentros – inclusão digital gratuita: Reconhecendo que a exclusão social também passa pelo acesso à informação e tecnologia, a gestão Kassab promoveu uma grande expansão dos Telecentros públicos – salas com computadores e internet gratuita para uso da população. Entre 2006 e 2012 foram implantados 343 novos telecentros espalhados pela cidade, quase quadruplicando a rede existente (que passou de 123 unidades em 2004 para 466 em 2012, conforme Tabela 3 abaixo). Essas unidades, localizadas em CEUs, praças, centros comunitários e outros espaços, permitiram que cidadãos sem computador ou internet em casa pudessem acessar a rede mundial de computadores gratuitamente e realizar trabalhos escolares, currículos e serviços online. Além do acesso livre, os telecentros ofereciam cursos de informática básicos que alfabetizaram digitalmente milhares de jovens e adultos nas periferias.
Indicador de Inclusão Digital | 2004 | 2012 |
Telecentros em funcionamento | 123 | 466 |
Aumento da rede (2006–2012) | – | +343 novos telecentros (crescimento ~4x) |
Tabela 3 – Expansão da rede de Telecentros comunitários (SP Inclusão Digital).
Essa iniciativa democratizou o acesso à informação, contribuindo para a qualificação profissional e inserção dos mais pobres no mundo digital (muitos usuários conseguiram seu primeiro emprego elaborando currículos nos telecentros). Também fomentou a participação social online, com comunidades usando os espaços para criar blogs locais, por exemplo. A rede de telecentros de São Paulo tornou-se a maior da América Latina e inspirou o Governo Federal a lançar programas similares.
Ofício Social – inclusão socioeconômica de vulneráveis: Em 2006 foi criado o programa Ofício Social, focado na inclusão socio-humana de grupos vulneráveis por meio de oficinas temáticas. A ideia era ir além do assistencialismo tradicional e empoderar indivíduos em situação de risco (desempregados de longa data, egressos do sistema prisional, moradores de rua em acolhida, jovens fora da escola) oferecendo oficinas educativas, artísticas e de capacitação que atendessem suas necessidades e interesses. Foram organizadas centenas de oficinas nos territórios dos CRAS e em centros comunitários, abordando desde habilidades para a vida (como gestão financeira familiar, desenvolvimento pessoal) até artes e esportes. Ao longo da gestão Kassab, cerca de 100 mil pessoas foram beneficiadas pelo Ofício Social, muitas descobrindo novos talentos, outras retomando estudos inspiradas pelas atividades, outras obtendo orientações que as ajudaram a encontrar emprego. O Ofício Social, em resumo, complementou as ações de assistência social trabalhando a autoestima, a convivência e a cidadania ativa dos usuários, aspectos fundamentais para romper ciclos de marginalização.
Qualificação profissional e renda: A gestão Kassab também integrou políticas de assistência com qualificação profissional e microcrédito, entendendo que garantir trabalho e renda é parte da promoção social. Sob sua administração, o Centro de Apoio ao Trabalho (CAT) – espécie de “PAT” municipal – foi fortalecido e se expandiu (21 postos fixos e unidades móveis). O CAT atendeu 390 mil pessoas ajudando-as a encontrar emprego, e passou a oferecer cursos rápidos de qualificação nos bairros populares. Em paralelo, o Banco do Povo – São Paulo Confia, programa de microcrédito produtivo, cresceu de 6 agências em 2004 para 18 agências em 2012, emprestando capital a pequenos empreendedores de baixa renda (muitos saindo da informalidade). Tais medidas trabalharam em sinergia com os programas sociais: por exemplo, mulheres atendidas nos Centros de Cidadania da Mulher podiam obter microcrédito para iniciar um negócio caseiro; jovens do Ofício Social recebiam encaminhamento aos CATs após completar oficinas profissionalizantes.
Impactos gerais e conclusão: Os programas complementares de inclusão social reforçaram o tecido comunitário e ofereceram portas de saída do assistencialismo, convergindo para o objetivo maior de autonomia dos cidadãos. A inclusão digital preparou sobretudo a juventude das periferias para a era da informação. O Ofício Social e a qualificação profissional preveniram situações de risco (mantendo indivíduos ocupados em atividades construtivas e longe da criminalidade, por exemplo) e ampliaram a empregabilidade de grupos vulneráveis.
O legado aqui foi a compreensão de que assistência social eficaz não se limita à proteção emergencial, mas inclui criar oportunidades. Gestões posteriores mantiveram grande parte desses programas: a rede de telecentros continuou ativa (até ser transformada em espaços FAB LAB e outras inovações mais tarde), o Ofício Social deu lugar a programas similares de inclusão produtiva, e os CATs permanecem centrais na intermediação de emprego.
Parcerias: Muitos telecentros foram implantados em parceria com a comunidade local ou entidades religiosas que cederam espaços. O Ofício Social contou com ONGs executoras especializadas em pedagogia social para ministrar oficinas. Já o Banco do Povo era convênio com o Sebrae-SP, unindo expertise técnica à capilaridade municipal. Assim, mais uma vez, a colaboração intersetorial foi chave.
Considerações Finais: As realizações da gestão Gilberto Kassab (2006–2012) nas áreas de assistência social e direitos humanos foram abrangentes e interligadas. Desde a ampliação maciça da rede básica de assistência até a implantação de políticas inovadoras para mulheres, negros, população de rua, dependentes químicos, LGBTQ+ e pessoas com deficiência, observa-se uma visão integrada: enfrentar a vulnerabilidade social em múltiplas frentes, com soluções tanto emergenciais quanto estruturantes, sempre buscando parcerias e participação social. Muitos indicadores atingiram recordes históricos – número de atendimentos sociais, investimento em habitação, acessibilidade no transporte, etc. – refletindo prioridade política e gestão eficiente de recursos.
Importante ressaltar que várias dessas políticas transcenderam o período Kassab, virando políticas de Estado da cidade de São Paulo. Seu legado pode ser medido na continuidade e ampliação posterior: secretarias especializadas que permanecem, equipamentos que seguem em funcionamento e populações antes invisíveis que hoje têm voz e vez nas agendas públicas. Claro que desafios sociais persistem e novos problemas emergem, mas a experiência de 2006–2012 forneceu aprendizados valiosos de que a integração de políticas (sociais, urbanas, econômicas), o foco nos direitos humanos e a atuação conjunta de governo e sociedade civil são caminhos frutíferos para promover inclusão e melhorar a qualidade de vida em uma metrópole complexa como São Paulo.