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Saúde

Uma Nova Saúde para São Paulo

A Gestão que Reestruturou o SUS Municipal

acoes-gk | 09 junho 2025

Uma Nova Saúde para São Paulo: A Gestão que Reestruturou o SUS Municipal

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Quando Gilberto Kassab assumiu a Prefeitura de São Paulo em 2006, sucedendo José Serra, encontrou um sistema de saúde municipal sobrecarregado, desigual e ainda marcado por lacunas históricas. Durante os seis anos seguintes, até 2012, a cidade viveu uma transformação sem precedentes no atendimento à saúde pública, com foco especial nas periferias e nos serviços básicos. Uma série de políticas públicas bem planejadas foi colocada em prática para corrigir falhas estruturais que atingiam diretamente a população mais vulnerável: escassez de hospitais, superlotação de prontos-socorros, desabastecimento de medicamentos, filas intermináveis e altos índices de mortalidade infantil em bairros afastados do centro. O esforço foi meticuloso e abrangeu tanto a infraestrutura quanto a reorganização da gestão, sempre orientado para resultados mensuráveis e o legado de longo prazo.

Entre os primeiros passos dados pela gestão Kassab, esteve a retomada das obras de hospitais municipais, algo que a cidade não via havia 17 anos. Com base em levantamentos sobre áreas críticas e pressão social acumulada, o governo decidiu construir hospitais nas regiões mais carentes e, sempre que possível, reaproveitar estruturas existentes ou estabelecer parcerias com organizações filantrópicas. Foi esse o caso do Hospital Municipal Cidade Tiradentes, inaugurado em 2007 com 230 leitos e capacidade de até 25 mil atendimentos mensais; e do Hospital Municipal M’Boi Mirim – Dr. Moysés Deutsch, aberto em 2008, com 245 leitos e parceria de gestão com o Hospital Israelita Albert Einstein. A gestão também municipalizou o Hospital São Luiz Gonzaga, tradicional instituição na zona Norte que estava à beira do fechamento, e reativou, em convênio com a Beneficência Portuguesa, o Hospital Municipal Santo Antônio, na Penha. Além disso, inovou ao implantar o Serviço de Atenção Integral ao Dependente (SAID), em Heliópolis, voltado a dependentes químicos. Ao todo, foram incorporados 998 leitos hospitalares à rede pública da cidade, um feito inédito em tão curto espaço de tempo, que devolveu dignidade a populações historicamente desassistidas e garantiu atendimento mais próximo para milhares de cidadãos.

Com os hospitais em andamento, a administração voltou-se para outro gargalo crítico: os prontos-socorros superlotados. Foi nesse contexto que as Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs) ganharam protagonismo. A ideia, iniciada timidamente em 2005, foi expandida com vigor por Kassab, alcançando 139 unidades implantadas até 2012. Essas AMAs passaram a oferecer atendimento imediato, sem agendamento, para casos de baixa e média complexidade, desafogando os hospitais e ampliando o acesso da população à atenção básica. A expansão foi estratégica, priorizando áreas densamente povoadas e carentes de serviços. O resultado foi um aumento de 54% no número de consultas médicas e uma triplicação nos exames diagnósticos realizados na rede pública. Nunca uma gestão havia aberto tantas unidades de saúde em tão pouco tempo. A descentralização promovida pelas AMAs foi tão bem-sucedida que moldou políticas públicas federais nos anos seguintes e permanece ativa, mesmo com adaptações, até hoje.

Em paralelo, Kassab promoveu uma mudança significativa no modelo de gestão da saúde pública ao ampliar a contratação de Organizações Sociais de Saúde (OSS) para gerenciar hospitais, AMAs e Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Inspirado por experiências estaduais, o modelo previu contratos de gestão com metas e indicadores de desempenho, aproveitando a agilidade administrativa e a expertise de entidades como a Santa Casa, o Hospital Albert Einstein e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. O resultado foi expressivo: cerca de 5,2 milhões de atendimentos foram realizados em unidades gerenciadas por OSS durante a gestão, com melhora na qualidade percebida pelos usuários e avanços consistentes nos indicadores de acesso. Em 2012, mais de 20% do orçamento municipal da saúde — que totalizava R$ 6 bilhões — já era executado por meio dessas parcerias. A desigualdade de acesso à saúde entre bairros ricos e pobres caiu visivelmente, e a mortalidade infantil nos distritos periféricos recuou acentuadamente, com um número recorde de regiões alcançando padrões comparáveis aos de países desenvolvidos.

Com a expansão física em andamento, tornou-se evidente a necessidade de modernizar a gestão e a logística interna do sistema de saúde. Nesse sentido, a informatização da rede foi uma das conquistas mais estratégicas da gestão Kassab. Em 2008, foi iniciado um plano de integração digital que conectou 650 unidades de saúde ao novo Sistema Integrado de Gestão Ambulatorial, conhecido como SIGA Saúde. Com esse sistema, as UBSs passaram a agendar consultas e exames eletronicamente, eliminaram os antigos livros de papel, automatizaram os estoques de medicamentos e passaram a alimentar o sistema nacional do SUS com informações atualizadas. O SIGA também permitiu a emissão e o controle do Cartão SUS, criando um banco de dados completo sobre os usuários do sistema. Essa informatização trouxe ganhos notáveis de eficiência, reduziu filas e possibilitou planejamento mais preciso da distribuição de recursos e insumos. Foi a partir desse salto tecnológico que se criou o cenário ideal para programas logísticos mais sofisticados, como o Remédio em Casa e o controle centralizado de medicamentos.

A questão dos medicamentos, aliás, sempre foi uma das queixas mais frequentes dos usuários do SUS. Em 2006, ainda era comum chegar a um posto de saúde e não encontrar medicamentos básicos disponíveis. Para enfrentar esse problema, a Prefeitura promoveu uma completa reestruturação da Central de Abastecimento Farmacêutico, informatizando os estoques e otimizando a distribuição por meio do programa Remédio nos Postos. Cada UBS passou a ter um padrão mínimo de abastecimento garantido, e o monitoramento eletrônico permitiu que os insumos fossem enviados em prazos regulares, evitando rupturas. O impacto foi imediato: até o final de 2012, cerca de 5 milhões de itens de medicamentos eram distribuídos por mês, atendendo aproximadamente 2 milhões de pessoas com regularidade. Com menos desperdício, menor custo e muito mais confiabilidade, a rede pública finalmente passou a cumprir seu papel de prover o que os pacientes mais precisam.

Esse avanço permitiu o florescimento de outra política inovadora, o Remédio em Casa. Direcionado especialmente a pacientes com doenças crônicas como hipertensão e diabetes, o programa visava garantir que os medicamentos fossem entregues diretamente na casa dos usuários, evitando deslocamentos desnecessários, perdas de continuidade de tratamento e filas nas unidades. Lançado inicialmente de forma piloto, o Remédio em Casa se expandiu rapidamente e, ao final da gestão, já havia atendido 1,5 milhão de receitas médicas com remessas feitas diretamente aos lares dos beneficiários. Mais de 293 mil pessoas estavam cadastradas e recebiam mensalmente seus medicamentos, com alto índice de adesão e satisfação. Essa comodidade não apenas aumentou a qualidade de vida dos pacientes como também liberou capacidade de atendimento nas UBSs, uma vez que milhares de consultas de retorno apenas para retirada de receita deixaram de ser necessárias.

Para aqueles pacientes que já haviam passado por uma internação e necessitavam de cuidados contínuos, mas que poderiam ser tratados fora do ambiente hospitalar, a Prefeitura criou o Programa de Hospitalização Domiciliar (PROHDOM). A proposta era permitir que médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes sociais visitassem esses pacientes em suas casas, promovendo a reabilitação ou o controle de quadros clínicos com segurança, reduzindo internações e humanizando o atendimento. Até 2012, foram realizadas mais de 200 mil visitas domiciliares dentro do PROHDOM, ampliando a cobertura do sistema de saúde de forma integrada ao território e garantindo o cuidado continuado com foco no bem-estar do paciente e na eficiência do sistema.

Enquanto isso, na ponta da rede de atenção básica, o governo municipal fortalecia outro pilar estratégico: a Estratégia Saúde da Família (ESF). Reconhecendo a importância dos agentes comunitários de saúde e da prevenção no dia a dia dos bairros, a Prefeitura implantou 557 novas equipes, ampliando o total para 1.279 em 2012. Com isso, a cobertura da ESF aumentou significativamente, especialmente nas áreas mais vulneráveis, com reflexo direto na melhoria de indicadores como pré-natal, vacinação, controle de doenças crônicas e redução da mortalidade infantil. As equipes passaram a fazer visitas regulares às residências, acompanhando gestantes, crianças e idosos, e promovendo ações educativas e preventivas. A cidade caminhava, assim, para uma lógica de cuidado mais próxima do cidadão, inserida no território e atenta às condições reais de vida da população.

A saúde da mulher, particularmente no ciclo gestacional, também recebeu atenção estratégica com a implantação e fortalecimento da Rede de Proteção à Mãe Paulistana. Lançado em 2006, o programa oferecia acompanhamento completo desde o pré-natal até o primeiro ano de vida do bebê, com regulação de parto, distribuição de enxoval e vale-transporte, além de consultas e exames gratuitos. Até 2012, cerca de 700 mil partos foram realizados com o apoio do programa, com impacto comprovado na queda de 18% na mortalidade infantil. O modelo era tão bem-sucedido que foi incorporado à política nacional através da Rede Cegonha, inspirada diretamente pela experiência paulistana. O Parto Seguro, implantado em hospitais municipais, e o canal de telessaúde “Alô Mãe”, que realizava ligações para gestantes e puérperas, integravam essa estratégia de cuidado integral à mulher.

A saúde mental, por sua vez, ganhou impulso com a criação dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) com funcionamento 24 horas. Antes disso, as unidades só funcionavam em horário comercial, o que dificultava o acolhimento de pessoas em crise. A Prefeitura passou a oferecer atendimento contínuo, inclusive com leitos de observação para pernoite, ampliando o acesso a cuidados de saúde mental humanizados e próximos do domicílio. Isso foi particularmente relevante em regiões como o centro e Heliópolis, marcadas por grande concentração de usuários de substâncias e pessoas em situação de vulnerabilidade. A cidade triplicou o número de procedimentos em saúde mental, e os CAPS se tornaram referência para acolhimento qualificado, com redução da necessidade de internações prolongadas.

Mesmo em áreas não tradicionalmente contempladas pela saúde pública, como a proteção animal, a gestão inovou com a criação do primeiro Hospital Público Veterinário do Brasil. Inaugurado em 2012 no Tatuapé, o hospital passou a oferecer atendimento gratuito para cães e gatos de famílias de baixa renda, com serviços como consultas, exames e cirurgias. Em seu primeiro ano, atendeu aproximadamente 9.700 animais, ganhando ampla aprovação da população e servindo de modelo para outros municípios. O impacto foi tão expressivo que, anos depois, São Paulo já contava com quatro hospitais veterinários públicos, consolidando essa política como um direito social.

Complementando essas grandes iniciativas, a Prefeitura também reforçou a vigilância em saúde com campanhas contra a dengue, ampliou os serviços odontológicos em escolas e postos, modernizou o SAMU com novas ambulâncias e bases, e lançou o Dia Municipal da Saúde Mental e Inclusão Social, promovendo a conscientização contra o estigma em torno dos transtornos mentais. Todas essas ações, juntas, constituíram uma verdadeira revolução na forma como a saúde pública era pensada e praticada em São Paulo.

Ao longo de seis anos, Gilberto Kassab liderou a maior ampliação e qualificação da rede municipal de saúde da história da cidade. De forma silenciosa, mas profundamente transformadora, a gestão redefiniu o SUS paulistano em sua estrutura, eficiência e foco no cidadão. Com resultados tangíveis — como a ampliação de quase mil leitos, o recorde de unidades construídas, a regularidade no abastecimento de medicamentos e os avanços nos indicadores de saúde materno-infantil —, a cidade se tornou um modelo de boas práticas no setor público, com políticas que foram mantidas e replicadas nos anos seguintes. Esse legado permanece vivo nas unidades de saúde, nos programas em funcionamento e na memória de quem, enfim, passou a ser atendido com mais dignidade, proximidade e qualidade.