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Telecomunicações

A pós-verdade que vivemos

Em artigo no jornal Valor, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações escreve sobre a atualização da lei das telecomunicações e garante: não haverá “doação” de patrimônio público nem perdão a condutas irregulares. 24/02/2017

arquivos | 24 fevereiro 2017

A pós-verdade que vivemos

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A era da pós-verdade em que vivemos tem como uma característica o surgimento de falácias que são repetidas exaustivamente. E também, em um contexto de conflagração de debates que têm conexões com a política, são raros os consensos na sociedade.

Precisamente por isso, gostaria de destacar algo inusual: dois raros consensos que encontramos no setor das comunicações.

E apresento esses consensos para me manifestar sobre o assunto que está na ordem do dia do universo das telecomunicações brasileiras: a necessidade de atualizar seu marco legal, um instrumento com vinte anos de idade, com a aprovação do Projeto de Lei da Câmara 79/2016.

Alegações de que o projeto se propõe a doar patrimônio público fazem parte de uma estratégia diversionista.

O primeiro consenso diz respeito à necessidade de acesso à internet para um efetivo exercício da cidadania no Brasil.

Em todo o país, desde as grandes metrópoles até os menores distritos rurais, o cidadão brasileiro demanda o acesso à rede como construção da sua vida em diferentes dimensões. E o serviço que hoje é prestado por mais de cinco mil empresas outorgadas pela Agência Nacional de Telecomunicações é elemento muito presente no cotidiano das pessoas.

Seja no transporte coletivo, nas filas de cinema ou andando pelas calçadas, jovens e adultos, homens e mulheres, pobres e ricos, operam o tempo todo seus telefones celulares, para as mais diferentes finalidades que proporciona a internet: tomando contato com conhecimento, com informação, compartilhando imagens, ou trocando experiências e dialogando com seus amigos e familiares.

Apesar de essa ser a realidade em 4.985 municípios brasileiros, que representam 98,2% da nossa população, ainda existem 585 distritos-sede de municípios sem cobertura 3G ou 4G. E existem outros 2.230 distritos sem qualquer cobertura celular, onde vivem mais de quatro milhões de pessoas.

Diante desse cenário e da necessidade do cidadão brasileiro, posso dizer como ministro de Estado que o governo federal não descansará enquanto todos os brasileiros e brasileiras não contarem com acesso à internet, fixa ou móvel.

O segundo consenso diz respeito a como é inaceitável que qualquer governo faça “doações” a empresas privadas.

Reitero mais uma vez de forma clara e precisa: não haverá qualquer doação para as empresas de telecomunicações. Não haverá também qualquer perdão a condutas irregulares que geraram multas aplicadas pela Anatel.

Quero ser muito claro: como ministro da pasta que cuida desse tema o povo brasileiro pode contar comigo.

As tais “doações” se espalharam como “pós-verdade” que aos poucos se desmancha com a análise serena dos fatos e da proposta. E não acontecerão primeiramente pelo fato de que não há hoje autorização legal para que se proceda dessa forma.

Tampouco haverá tal autorização com o projeto a ser aprovado pelo Senado Federal e sancionado pelo Presidente da República conforme a redação atual.

Muito ao contrário do que permitir “doações”, o projeto estabelece uma forma para que a política pública do governo federal – no ano de 2017! – deixe de ser focada em orelhões e no telefone fixo, passando a prestigiar a cobertura de telefonia celular em todos os municípios e distritos do Brasil que hoje não contam com a banda larga móvel.

Todos sabem da desafiadora situação fiscal que o país atravessa. E é em momentos de desafio que as soluções inovadoras devem ser buscadas.

Além disso, não parece ser crível imaginar que o governo federal ou os governos estaduais e municipais terão condição fiscal para promover algo que não está no rol de suas correntes políticas públicas – levar a banda larga móvel para regiões hoje desatendidas.

A solução inovadora que o PLC 79/2016 propõe é justamente o de reduzir o esforço público na oferta de orelhões e telefones fixos, passando tal esforço para a banda larga.

Na migração pelas concessionárias para o regime de autorização, todos os benefícios dessa alteração serão contabilizados e convertidos em obrigações de investimento na banda larga.

E por exemplo, levar cobertura 4G para o distrito de Botujuru, no município de Campo Limpo Paulista, na capital paulista, praticamente desassistido hoje em cobertura de telefonia, sendo parte da maior cidade da América Latina.

Ou então, ao distrito de Monguba, município de Pacatuba, no Ceará, onde mais de 13 mil cidadãos não têm qualquer cobertura celular.

Hoje no Senado, a atualização da lei de telecomunicações passou por ampla discussão na Câmara dos Deputados e um longo e democrático processo de consulta pública conduzido pelo então Ministério das Comunicações.

Evidentemente em todo debate democrático haverá sempre os favoráveis e os contrários às proposições. O debate franco e aberto faz parte do processo de amadurecimento do projeto.

Por outro lado, as alegações inverídicas de que o projeto se propõe a doar patrimônio público ou perdoar multas fazem parte de uma estratégia diversionista.

Afinal de contas, se não houver a aprovação desse projeto ficará difícil levar banda larga para os 2.815 distritos que em pleno 2017 estão isolados digitalmente.

Valor – 24/02/2017