Artigo
Gilberto Kassab: A política do bem e a ciência
Todos devem se dar as mãos e, olho no olho, buscar as melhores soluções para os problemas científicos, ambientais e sociais, escreve o presidente nacional do PSD.
noticias | 12 agosto 2020
Era maio de 2016, o país enfrentava então uma grave crise política pós-impeachment da presidente Dilma e uma séria recessão econômica. E lá estava eu no governo Temer, com a missão de fundir dois ministérios – o da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações. Foi meu encontro especial com a Ciência. No começo, a comunidade científica ficou meio ressabiada, mas foram dois anos e meio de muito trabalho, junto com uma grande, valorosa e competente equipe. Unidos conseguimos grandes conquistas. Mesmo num cenário adverso, senti a ciência florescer.
O físico e professor da USP Ricardo Galvão, na direção do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi um dos que muito me ajudou. Conhecido e respeitado no mundo da ciência, foi eleito recentemente pela revista britânica Nature (editada desde o século 19 e referência mundial para pesquisas científicas) como um dos 10 principais cientistas do mundo em 2019. Galvão relembra bem as dificuldades que encontramos. Seu depoimento, abaixo, está registrado no livro sobre minha passagem no ministério “Em Defesa da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações” (245 págs, set de 2019), da Fundação Espaço Democrático:
“O ministro Gilberto Kassab foi indicado num momento difícil da política brasileira, após o impeachment de Dilma Roussef. Havia dirigido o Ministério das Cidades e enfrentou forte oposição da comunidade científica. Na 68a reunião da SBPC, realizada em Porto Seguro em julho de 2016, chegou mesmo a ser tratado com desrespeito por alguns extremistas que não aceitavam sua indicação e a fusão dos ministérios. No entanto, Kassab enfrentou todas essas dificuldades iniciais com o mais nobre espírito republicano, respondendo de forma conciliatória aos questionamentos, por meio de diálogos construtivos com a comunidade científica”.
“(…) Kassab foi muito feliz na escolha das ações a serem priorizadas pelo Ministério e trabalhou com bastante determinação na recuperação do orçamento para a ciência e tecnologia, que havia sofrido cortes substanciais no governo anterior (…)”. “Com sua hábil atuação política foi capaz de recuperar os orçamentos das unidades de pesquisa em 2018, e todas elas puderam executar seus projetos programados para o exercício.”
Ricardo Galvão (abaixo falo mais sobre ele) tem razão. Lutamos, dialogamos muito e digo que curto, sim, a articulação política, a experiência e a aprendizagem daí advindas, e que nos ajudam muito a enfrentar os desafios da vida pública. Tomado, na minha chegada, como um estranho no ninho, na verdade sempre fui um entusiasta da ciência e da pesquisa, como minha família. A começar com meu pai, que era médico. Tive uma vida acadêmica intensa na USP (graduado em Engenharia Civil, na Poli; e Economia, na FEA). Há 10 anos, me uni a um grupo de ex-politécnicos e começamos a respaldar importantes projetos, e isso perdura até hoje. São importantes essas campanhas de incentivo, para que instituições públicas e empresas se motivem, se ajudem e invistam na área da pesquisa científica.
Como prefeito da capital, fiz uma série de parcerias com entidades científicas públicas e privadas e, quando deputado federal, presidi a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. A legislação e as políticas públicas devem não apenas favorecer o direcionamento de recursos, mas possibilitar que isso seja feito de maneira inteligente, e não se torne como a Lei Rouanet, que tem sido aperfeiçoada, mas ainda causa inseguranças e é alvo de muitas críticas. Cheguei até mesmo criar um grupo para estudar e discutir o assunto.
Em entrevista recente ao biólogo e incentivador científico Hugo Fernandes, destaquei que ainda temos leis tímidas e muito direcionadas para nichos específicos, voltadas ainda mais para a indústria e muito menos para a academia. Há que aprofundar as ligações entre esses dois ambientes, e a inovação advinda da integração indústria-academia pode ajudar muito o nosso país. É preciso também fortalecer o CNPq, seja para não atrasar o pagamento das bolsas, seja para criar novos programas.
Quando se trata de elencar prioridades para o desenvolvimento econômico, sigo defendendo que o Brasil reserve 2% do PIB para investir em ciência, pesquisa e inovação.
Reitero que, como ministro, privilegiei o diálogo. É um comportamento que fortalece as relações republicanas. Gosto de ouvir muito, formar equipes, trabalhar com elas, contra-argumentar, aprender, entender e planejar caminhos de projetos que ampliem o horizonte dos que batalham ao meu lado. Sou presidente do PSD, e nosso partido tem posicionamento político independente, sem entrar em conflitos ideológicos infrutíferos, que travam o diálogo; destaco também que me estimulam os desafios administrativos e legislativos que visam o bem do Brasil. Ainda mais agora, quando devemos, todos, manter o foco do combate à pandemia do coronavírus e, paralelamente e, com respeito à ciência e ao distanciamento social, retomar o desenvolvimento econômico, para diminuir as desigualdades e injustiças sociais.
É nesse sentido – e para resumir e valorizar todo o esforço da equipe que trabalhou comigo no MCTIC – que ressalto depoimentos de dois profissionais. Todos seguimos unidos em defesa da ciência aplicada, diretamente dirigida à solução de problemas, e da ciência básica – duas frentes da ciência que ajudam a construir uma sociedade mais justa e menos desigual.
Como bem diz – no mesmo livro da Fundação Espaço Democrático – a cientista Helena Bonciani Nader, graduada em Ciências Biomédicas pela Unifesp e especializada em Biologia Molecular, pós-doutorada na University of Southern California, “ciência não é gasto, é investimento”. Presidente de Honra da SBPC, sua atuação tem o reconhecimento de várias entidades, entre elas as da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (Trieste, Itália), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Helena Nader assim se refere ao nosso trabalho conjunto no MCTIC:
“O ministro Kassab soube mostrar às pastas do Planejamento e da Fazenda a importância da ciência, tecnologia e inovação para o país, tendo conseguido recursos para os grandes projetos nacionais, bem como para a manutenção de projetos fundamentais para a ciência básica. Isso foi fundamental para liberar recursos da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para restos a pagar pendentes há vários anos. Kassab conseguiu junto à presidência a reativação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que é o fórum mais importante da área, coordenado diretamente pelo presidente da República.” (…) “Todos os países que passaram por crises econômicas aumentaram o investimento em ciência como solução. Nosso mantra segue o mesmo: educação, ciência, tecnologia e inovações não são gastos e sim investimentos.”
Interrompo, com um parágrafo, o depoimento de Helena Nader, para ressaltar o que já foi saudado recentemente pela mídia e toda comunidade científica: a Poli aprovou recentemente projeto vitorioso de produção de mil ventiladores para tratamento do coronavírus a um custo unitário de 10 mil reais, quando tivemos a maior parte desses equipamentos comprados a duras penas por 80, 90 mil reais! Poderia ressaltar a participação de outros centros importantes de ciência e pesquisas do Brasil, mas destaco aqui como exemplos o Instituto Butantan e a Fundação do Instituto Oswaldo Cruz. Graças a eles, entre outros, nosso país vem desenvolvendo os testes finais de vacinas com parceiros estrangeiros para combate à Covid-19.
Volto ao depoimento, que me traz gratificantes lembranças, da bióloga Helena Nader, sobre nossa passagem e trabalho profícuo no MCTI:
“É importante salientar o envolvimento do Ministério na regulamentação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sempre buscando atender a todas as demandas e negociando com os demais ministérios. Saliento também que a regulamentação das organizações sociais foi outro feito. Cabe mencionar os esforços do MCTI junto ao Ministério do Meio Ambiente em relação à regulamentação da Lei da Biodiversidade, agindo para reverter pontos que não atendiam aos anseios da comunidade científica. Como um todo, a estrutura do Ministério, tendo à frente seus diferentes secretários, foi sempre parceira da comunidade”.
Foi assim, junto com dezenas de cientistas e colaboradores do quilate de Helena Nader e de Ricardo Galvão, que buscamos, no MCTIC, uma governança eficiente e parceira junto a diferentes unidades de pesquisa, empresas e organizações sociais a ele vinculadas. Ao todo, mais de 30 estruturas públicas. Ricardo Galvão me faz lembrar das quatro leis da ecologia: 1 – Todas as coisas estão interligadas; 2 – Tudo vai para algum lugar; 3 – Todas as escolhas envolvem custos; e 4 – A natureza revida. Simples assim.
No final de agosto de 2019, Galvão foi então questionado pelo Ministério do Meio Ambiente e afastado pelo Palácio do Planalto pelo fato de o INPE ter divulgado informações sobre o aumento do desmatamento da Amazônia. Defendido pela comunidade científica de acusações, entre as quais a de “estar a serviço de ONGs”, Galvão esclareceu que as imagens e dados, estruturados nos sistemas PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) e DETER (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), são aferidos pela NASA e têm margem de acerto de 95%. Ricardo Galvão perdeu o cargo, e a ciência brasileira sofreu uma grande perda. E no último dia 23 de julho, o INPE, agora dirigido pelo coronel Darcton Policarpo Damião, divulgou dados do DETER que apontaram 563 km2 de desmatamento no mês de novembro, aumento de 103,7% em relação ao mesmo mês do ano passado – e recorde na série histórica de medições iniciadas em 2015 na Amazônia.
No dia 31 de julho, lemos no Estadão uma manchete de página preocupante: “Garimpo ilegal na Amazônia ameaça romper o maior linhão de energia do País”. Ameaça a um investimento de R$ 5 bilhões usados na construção do linhão da hidrelétrica de Belo Monte, que tem 2.076 quilômetros de extensão. E mais: denuncia ainda o jornal que “funcionários da concessionária Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE), com receio de serem alvo de violência de garimpeiros que atuam no Pará, têm trabalhado com roupas comuns, sem uniforme da empresa”.
Autoridades, ambientalistas daqui e do exterior seguem alertando as autoridades sobre o descuido com as comunidades indígenas, denunciando garimpos e ocupações irregulares de terras da União. Países ameaçam cortar verbas destinadas à proteção da floresta. É um universo de denúncias, problemas sem fim para ministérios, órgãos públicos, Estados, municípios, iniciativa privada, poder judiciário e, principalmente, para o governo federal. Há vários interesses, conflitos, muitos assuntos a esclarecer. Unidos, mediante um diálogo franco e transparente, tenho certeza que o país irá superar esses obstáculos, que são bastante significativos.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, no comando do Conselho Nacional da Amazônia Legal, reconhece publicamente equívocos, faz visitas de trabalho à região, reuniões com os governadores, fala sobre a nova política ambiental e discute temas prioritários, como regularização fundiária, integração de políticas ambientais à economia, fortalecimento da fiscalização e proteção à população indígena frente à Covid-19. Recebe e ouve empresários do agronegócio e investidores interessados em alocar recursos na Amazônia legal. Procura reestabelecer a necessária interlocução, o contato que esclarece e o entendimento que procurar apaziguar os ânimos, aqui e lá fora.
Que assim seja.
Como já disse várias vezes, reforço aqui que estarei sempre pronto para ajudar o Brasil com a experiência e minha vivência administrativa. É muito importante para viabilizar o entendimento que todos buscamos, que distingamos os dois tempos da política. Não devem se misturar. O tempo da campanha, aberto ao diálogo, ao confronto republicano de ideias, críticas e exposição de diferenças; e o tempo pós-campanha que exige concentração, equilíbrio e muito trabalho, acima de ideologias e de eventuais diferenças.
Prefeitos, governadores, ministros e presidente; assim como Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras municipais – em convivência democrática com ONGs, representação de empresários, indígenas e ambientalistas – devem se dar as mãos e, olho no olho, buscar as melhores soluções para os problemas científicos, ambientais e sociais.