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Entrevista

Eleição rejeitou radicalismo, mas não é recado para Bolsonaro em 2022, diz Kassab

Em entrevista para Folha de S.Paulo, o presidente do PSD, terceira maior força no pleito de domingo, Gilberto Kassab diz que eleitor brasileiro é moderado. "Eu sempre tive a percepção de que o eleitor brasileiro é de centro, ele não gosta de radicalismo".

arquivos | 17 novembro 2020

Eleição rejeitou radicalismo, mas não é recado para Bolsonaro em 2022, diz Kassab

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Em março de 2011, o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, cunhou uma frase que foi entronizada no anedotário político nacional.

O PSD, partido que iria fundar, não seria nem de centro, nem de direita, nem de esquerda. Símbolo da geleia ideológica brasileira para uns ou expoente do pragmatismo para outros, a sigla chegou à eleição deste ano com seu melhor resultado até aqui.

Elegeu 640 prefeitos, 101 a mais do que em 2016, e firmou-se como terceira maior força municipal do país, atrás de MDB e Progressistas.

Vingado num pleito em que o eleitor buscou nomes mais moderados, após o tsunami bolsonarista de 2018, Kassab sempre disse que a frase havia sido editada sem o contexto de que falava na construção do programa partidário.

“Se dependesse de mim, o partido seria de centro. Como acabou sendo e continuará sendo”, afirmou.

Fidelíssimo a seu estilo, nesta entrevista ele diz que o eleitor negou o radicalismo nas urnas, mas que isso nada tem a ver com rejeição ao presidente Jair Bolsonaro ou com definição do pleito de 2022. Lembrado que seu partido apoia e participa do governo, defende independência.

Em São Paulo, concede que a maioria do PSD deverá apoiar a candidatura do prefeito Bruno Covas (PSDB), mas faz muitos elogios à candidatura de Guilherme Boulos (PSOL), usualmente visto como uma besta-fera esquerdista em círculos conservadores.

E deixa no ar dúvidas sobre uma eventual união da centro-direita contra Bolsonaro em 2022, dizendo que vai trabalhar por uma candidatura própria de seu partido.

Afirmou que não discute sua eventual volta ao governo paulista, do presidenciável João Doria (PSDB).

Ele assumiu e se licenciou da Casa Civil do tucano em 2019 para responder às acusações de recebimento ilegal de recursos da empresa JBS, o que ele nega em inquérito.

A que o sr. atribui o bom desempenho do PSD nesta eleição? 
O partido está crescendo porque está havendo sinergia com o eleitor.

Essa eleição privilegiou candidatos mais centristas, com maior experiência. Qual o sentido disso?
Eu sempre tive a percepção de que o eleitor brasileiro é de centro, ele não gosta de radicalismo. Eu tenho alguma experiência, participei de muitas eleições. O eleitor é majoritariamente moderado, conciliador. Politicamente, de centro. Às vezes ele nem sabe que é de centro.

Até tinha aquela brincadeira que fizeram comigo quando fundamos o partido. Me perguntaram a posição do PSD e eu disse que o tempo ia dizer, que naquele momento não éramos de esquerda, de direita, ou de centro. Eu dizia que com o tempo vamos definir, mas que se dependesse de mim o partido seria de centro. Como acabou sendo e continuará sendo. Esse perfil ajuda a identidade com o eleitor.

Procuramos lideranças com boa imagem, como [os senadores mineiros] Antonio Anastasia e Carlos Vianna, o prefeito Alexandre Kalil [reeleito em Belo Horizonte], o senador Otto Alencar (BA), o governador Ratinho Jr. (PR).

Evidentemente, não adianta ter boa imagem, tem de ter voto, apresentar propostas.

O que aconteceu em SP, cidade que o sr. já governou e na qual o candidato do PSD, Andrea Matarazzo, teve 1,5% dos votos?
Numa eleição local, quando uma gestão é candidata à reeleição e tem avaliação razoável, é natural a recondução. Covas melhorou sua avaliação. Aí a pessoa se pergunta: por que mudar? Isso acabou acontecendo em São Paulo.

Houve problema de anemia de recursos [Matarazzo recebeu R$ 1 milhão do Fundo Eleitoral do PSD]?
Não, não teve. Os recursos do partido são limitados, mas eles não são fundamentais. Recurso, tempo de TV e rádio, são muito importantes, mas teve candidato com bastante voto sem isso, não são determinantes.

O caminho agora é ir com o Covas?
Olha, estamos numa fase de consultas. O partido não vai fechar questão, mas é uma tendência natural, do ponto de vista ideológico temos uma proximidade maior com a candidatura do Covas do que com a do Boulos.

Sem tirar os méritos da candidatura do PSOL. Acho que a cidade é privilegiada neste momento. São candidatos com propostas, com biografias apesar de jovens, que têm um futuro promissor. Se reelegendo, o Bruno Covas vira um líder nacional, com boas perspectivas.

O Boulos está assumindo uma liderança na esquerda, associando-se a outros nomes como Rui Costa [governador petista da Bahia] e o Flávio Dino [governador do Maranhão, do PC do B], e o próprio Ciro Gomes (PDT). Está havendo uma renovação de lideranças, sem tirar o prestígio de outros, como o Lula.

Quem aqui vai questionar a liderança do Lula? Mas a operação política está mudando de mãos.

Boulos teve 20% dos votos na maior cidade do país, o que é muito, vai ter duas semanas de muita exposição. Ganhando ou perdendo a eleição, se consolida como um líder.

Se Covas vencer em São Paulo e Eduardo Paes (DEM) levar no Rio, os três vértices do “Triângulo das Bermudas” do Sudeste, com o PSD em Belo Horizonte, estarão com partidos que há muito conversam sobre articulações ao centro. Isso aponta o quê para 2022?
Olha, não aponta nada. Você pega meu exemplo. Disputei a reeleição [à prefeitura paulistana] em 2008 e o Lula, como o Bolsonaro fez com o Celso Russomanno, apoiou a Marta Suplicy e perdeu. Dois anos depois, ele elegeu a Dilma Rousseff (PT) presidente.

A cabeça do eleitor hoje está nos problemas locais.

Mas não houve uma mudança de humor em relação à onda mais estridente de 2018?
Eu acho que o Brasil nunca saiu dessa posição de centro. Em 2018, acabou afunilando para duas posições extremas, uma progressista e outra conservadora, mas naquele momento a esquerda estava com a imagem muito ruim, fazendo crescer a alternativa oposta. Isso não quer dizer que vai acontecer de novo em 2022.

O sr. então não vê então um recado direto ao presidente Jair Bolsonaro neste primeiro turno?
Não. Eu acho que ele perdeu, como aqui em São Paulo. Se ele apoiou, ganhou ou perdeu, mas é uma questão local. A pessoa não vai votar num candidato tal só porque o Bolsonaro pediu.

Se ele tivesse participado de todas as eleições, ou 50% delas, e perdesse em 30%, eu ia dizer que ele está muito mal. As pessoas avaliaram os candidatos apoiados por ele.

Há uma movimentação de conversas entre atores da centro-direita, como o governador João Doria (PSDB-SP), o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Sergio Moro. O sr. acha que há espaço para uma união de forças conservadoras contra Bolsonaro?
O que eu acho que vai acontecer, diante dessa saudável nova legislação, proibindo as coligações proporcionais, é uma busca dos partidos de ter candidatura própria nos estados e no campo federal.

Isso não impede, lá na frente, de determinado partido achar que prefere fazer uma aliança. Mas eu acho que um partido que quer ser partido, que quer ter espaço, vai se esforçar para ter candidatos.

O PSD, por exemplo?
Passado o Carnaval, nós vamos fazer isso. Vamos testar a hipótese da candidatura própria.

Hoje o PSD está na base e integra o governo Bolsonaro…
Não, a bancada é próxima, e a indicação ao ministério [das Comunicações, com o deputado Fábio Faria, PSD-RN] foi pessoal do presidente.

Certo, mas tecnicamente o nome do partido está lá. Como ser independente?
Cada um vota com suas convicções, não há imposição partidária. A grande maioria está muito próxima do governo hoje.

O que não quer dizer que estará em 2022. Para ter uma aliança, você precisa abandonar o projeto de candidatura própria. Eu falo de forma cuidadosa, porque essa discussão não começou no partido, se alguém falou, foi indevidamente.

E as conversas desses outros atores do campo central? O sr. vê cada um jogando seu jogo?
Cada um fará isso, senão não existiria partido. Seja para a candidatura própria ou para a aliança.

Hoje estão colocados nomes para 2022. Como o sr. avalia o cenário?
Que eu saiba, Doria está colocado pelo PSDB, Huck por não se sabe quem, o Moro também não sei por quem, o Bolsonaro, o Ciro, um candidato do PT, talvez com o PSOL ou não e o PSD tem três alternativas: ou o Ratinho Jr., ou o Otto Alencar ou o Anastasia. Vamos conversar depois do Carnaval.

Como está sua relação com o Doria?
Minha relação é boa. Sempre que ele me convida para um café eu compareço, ele me recebe quando eu peço.

O sr. retorna ao governo?
Isso não está em avaliação agora. Estou concentrado nas eleições municipais.