Artigo
Gilberto Kassab: Por essa o vírus não esperava
Em texto publicado no Diário de S. Paulo, o presidente nacional do PSD comenta a suspensão do Carnaval deste ano. “Um inesquecível ato público de bom senso e cuidado com a saúde”
arquivos | 11 fevereiro 2021
Isso mesmo: este ano o Carnaval não é feriado nacional e os serviços públicos essenciais seguirão funcionando normalmente. No Distrito Federal será ponto facultativo. E 600 mil servidores dos órgãos e entidades da administração federal ficarão em casa, protegidos, distantes da pandemia que deve mesmo sambar sozinha nas ruas. Como folião nenhum jamais pensou que um dia isso aconteceria. Será um inesquecível e um dos maiores atos públicos coletivos de bom senso e cuidado com a saúde.
As tradicionais folgas do conhecido tríduo momesco – 15, segunda-feira, 16, terça e 17, quarta (até 14 horas) – já foram oficialmente suspensas em 20 Estados do país. Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes cidades já tinham decidido, há meses, adiar o carnaval. Certíssimos em proibir, logo a seguir, a perigosa e tresloucada festança, que, aliás, começaria antes e terminaria depois dessas datas… um suicídio em massa. Legislativo e Judiciário seguem na mesma cautelosa linha. Tribunais de Justiça estaduais podem determinar regras próprias. Os serviços públicos essenciais continuam funcionando. A guerra ao novo coronavírus segue acirrada!
Vade retro, pandemia!
Embora tenha aumentado a conscientização popular sobre o uso de máscaras, higienização das mãos e distanciamento social, será um grande desafio para os prefeitos e autoridades policiais e sanitárias deste nosso imenso “continente” fiscalizar ruas, locais de baladas, grandes salões em clubes, fazendas e restaurantes festeiros… Haja proibição e policiamento para dispersar aglomerações de afoitos foliões. Que eles sejam poucos, de preferência nenhum. Zero. Se de repente desembarcar numa avenida, em qualquer cidade do país, um bloco bem paramentado de soldados, que seja o “Pelotão do Pró-saúde”. E em vez de confetes e serpentinas, sejam eles os guardiões da vida, distribuam bom senso, avisos de alerta e ordens para os desmiolados transgressores se recolherem. E sem tirar as máscaras, fazendo a higiene das mãos com álcool em gel. Rapidinho, para casa!
Autoridades, prefeitos e escolas de samba vão dançar fininho para planejar com segurança e fiscalizar com eficiência mais esse necessário isolamento familiar e, assim, com determinação, evitar desfiles e aglomerações tresloucadas. Afinal, há mais de 100 anos não se proibia, não se mexia, nem se falava em adiar a festa do Rei Momo. Mas agora, em respeito a dor e o sofrimento pela perda de mais de 230 mil mortos, já se fala em proibir e ficar de olho até no carnaval de 2022.
Mas, no dia 10 de fevereiro de 1912, um sábado, faltando uma semana para a largada da festança – e sem pandemia na parada -, morria aos 66 anos o ministro das Relações Exteriores José Maria da Silva Paranhos Júnior, o diplomata Barão do Rio Branco, habilidoso e competente negociador que alargara o território brasileiro, incorporando 900 mil km2 de fronteiras. Primeiro em embates com a França, consolidando a fronteira do Amapá com a Guiana Francesa; depois, em longa disputa diplomática com a Bolívia, conseguiu o território do Acre; e assegurando, em litígio com a Argentina, parte de Santa Catarina e do Paraná. Tudo num plá e muito competente.
Pois é, com a morte do Barão, bailes e festas que então antecediam o Carnaval carioca minguaram, por causa do número e extensão das homenagens, e não só no Rio de Janeiro, capital da República. O Brasil caiu de luto, multidões chorosas faziam fila no Palácio do Itamaraty para dar o adeus ao Barão, sepultado depois no cemitério do Caju, com honras de chefe de Estado. Saiu num jornal da época: “Ele (Barão do Rio Branco) teve duas vidas: a do jornalista de talento que se fez cônsul e a do cônsul que se transformou no maior dos brasileiros pelo seu desinteressado amor à Pátria, e no maior diplomata contemporâneo pelo alto espírito, pela alta compreensão da função que exercia.”
Aconteceu então, em fevereiro de 1912, um carnavalzinho mirrado, desconjuntado. E um segundo em abril, com mais cinco dias de folia. Reforço: sem pandemia na parada, ok? Agora, 2021, chegou-se mesmo a circular, entre escolas de samba, comerciantes e administradores municipais, hipóteses de se repetir a operação 1912, promovendo um carnaval mais discreto, com máscaras e distanciamento. Impossível.
A covid-19 se ouriçou toda: “Ôba, aglomerações vêm aí!”
Chegou-se mesmo a argumentar, com base nos festejos de 2020, que o país perderia pelo menos R$ 8 bilhões que deixariam de circular na economia. Que haveria enorme impacto no turismo, demissões no comércio, desempregos mil pelo Brasil… Mas o interessante é que não encontramos ainda contas nem estudos que calculem o número de vidas perdidas que essas gigantescas e perigosas aglomerações causariam em todo o país, principalmente nas grandes cidades. Hoje, já com índices assustadores de leitos de UTIs ocupados e brasileiros morrendo em corredores de hospital em muitos estados brasileiros.
Sim, é um baque no desejo do povão de sair logo da reclusão… mas lembremos que, quase junto com a chegada do primeiro caso da pandemia, em março de 2020, o Rio recebeu mais de 2 milhões de turistas e 10 milhões de brasileiros, no que foi “o maior carnaval de todos os tempos”. E no desfile de blocos pelas avenidas paulistanas desfilaram, cantaram, beberam e se esbaldaram nas ruas cerca de 15 milhões de foliões. É festança para ninguém pôr defeito. E o vírus chegou traiçoeiro, letal, desconhecido, espalhou-se pelo país, causando um morticínio sem antecedentes aqui e no mundo inteiro. E ainda nos surpreende com novas cepas, imprevisíveis.
Com carnaval, com pouco ou sem carnaval, soldado em várias frentes, defensor da imagem do nosso país no exterior, não foi por menos que o metódico José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, depois de estudar muito e ocupar cargos importantes na administração brasileira, tornou-se o Patrono da Diplomacia Brasileira e uma das figuras mais importantes da história do nosso país. E assim, legou seu nome a centenas de ruas, praças e avenidas de capitais e cidades brasileiras.
Mas o Barão também nos deixou, segundo historiadores, uma prova de seu humor numa frase: “Só duas coisas são organizadas no Brasil: a desordem e o carnaval”. Que a covid-19 não acredite nisso. Disciplina e alça de mira nela!