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Cultura

Realizações Culturais da Gestão Gilberto Kassab (2006–2012) em São Paulo

A implantação de novos marcos culturais como a Praça das Artes e o Museu do Futebol foram destaques da gestão

acoes-gk | 09 junho 2025

Realizações Culturais da Gestão Gilberto Kassab (2006–2012) em São Paulo

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A gestão de Gilberto Kassab na Prefeitura de São Paulo (março de 2006 a dezembro de 2012) foi marcada por uma série de políticas e iniciativas culturais que buscaram tanto a revitalização do centro histórico e de equipamentos culturais, quanto a democratização do acesso à cultura em todas as regiões da cidade. A seguir, apresentam-se os principais eixos de realizações culturais desse período, organizados em capítulos por tipo de iniciativa, cada qual abrangendo o contexto histórico da demanda, a concepção da solução, sua implementação, dados de alcance e os impactos imediatos e legados deixados para gestões posteriores.

Revitalização do Patrimônio Histórico e Espaços Culturais Centrais

Contexto e necessidade: Ao assumir em 2006, Kassab deparou-se com parte do patrimônio cultural paulistano degradado pelo tempo e uso intenso. Ícones do centro histórico – como o Theatro Municipal (inaugurado em 1911), a Biblioteca Mário de Andrade (1925) e antigos casarões históricos – careciam de restauro urgente após décadas sem manutenção adequada. A Praça da Sé, coração simbólico da cidade, encontrava-se deteriorada e pouco convidativa. Havia, portanto, uma demanda premente por revitalizar esses marcos culturais, tanto para preservar a memória arquitetônica quanto para reativar o centro como polo cultural vivo.

Origem do problema: A falta de investimentos continuados em conservação ao longo de mais de 50 anos fez com que, por exemplo, a Biblioteca Mário de Andrade (a segunda maior do país, com 330 mil volumes) não passasse por obras significativas desde os anos 1950. O Theatro Municipal, às vésperas de seu centenário em 2011, apresentava instalações defasadas e desgastadas. Imóveis históricos como o Solar da Marquesa de Santos (antiga residência da Marquesa de Santos, do século XIX) e a Casa n°1 no centro haviam se deteriorado. Esse quadro era agravado pela desvalorização do centro, que havia perdido moradores e vigor cultural nas décadas anteriores.

Concepção da solução: A gestão Kassab planejou um amplo programa de restauração do patrimônio e espaços culturais centrais, integrando esses projetos à estratégia de requalificação urbana do centro histórico. Decidiu-se enfrentar simultaneamente a recuperação de edifícios históricos e a melhoria de praças centrais. No caso do Theatro Municipal, optou-se por realizar a maior restauração de sua história, visando devolver a aparência original da inauguração de 1911 por ocasião do centenário. Para a Biblioteca Mário de Andrade, concebeu-se uma restauração completa de suas estruturas e modernização de serviços, resgatando a relevância da biblioteca quase nonagenária. Imóveis coloniais e do império na região do Pátio do Colégio (como Solar da Marquesa, Casa n°1 e o Beco do Pinto) seriam recuperados e integrados ao Museu da Cidade de São Paulo, reforçando a vocação cultural do centro. Por fim, a Praça da Sé passaria por um projeto de reurbanização, com reforma do piso, chafariz e iluminação, para torná-la novamente segura e atrativa ao público.

Desenvolvimento e execução: As obras de restauração do Theatro Municipal iniciaram em 2008 e prolongaram-se por mais de dois anos. Em 12 de setembro de 2011 – data exata do centenário – o teatro foi reinaugurado após o minucioso restauro, aparecendo “com a aparência idêntica à de sua inauguração, em 1911”. Essa intervenção incluiu recuperação de elementos decorativos originais, modernização do palco e bastidores e melhoria da acessibilidade e acústica. Simultaneamente, outros oito teatros municipais menores passaram por reformas entre 2006 e 2012, atualizando instalações e equipamentos (dentre eles, teatros de bairros como o João Caetano, Arthur Azevedo, Paulo Eiró, Cacilda Becker, entre outros). A Biblioteca Mário de Andrade foi fechada ao público em 2007 para a grande reforma estrutural e reaberta em 2010 completamente renovada – tratou-se da maior restauração dos quase 90 anos de história da biblioteca. A obra climatizou e modernizou os espaços de leitura, ampliou áreas ao público e implementou pela primeira vez uma sala de leitura 24 horas, iniciativa inédita até então em bibliotecas públicas brasileiras (a sala “Oval” passou a operar ininterruptamente, democratizando o acesso). Além da Mário de Andrade, outras 40 bibliotecas de bairro passaram por reformas no período, recebendo melhorias de infraestrutura, mobiliário e tecnologia. Em paralelo, projetos de restauro dos imóveis históricos do triângulo histórico foram executados: o Solar da Marquesa de Santos e a Casa nº 1 tiveram fachadas, telhados e interiores restaurados e foram inaugurados como espaços expositivos do Museu da Cidade; o Beco do Pinto (passarela colonial que liga os dois imóveis) foi requalificado como espaço público cultural. Já a Praça da Sé, após décadas sem reformas significativas, passou por uma completa revitalização concluída em 2007 (segundo ano de Kassab): o espaço recebeu nova pavimentação, restauro do monumento central, reorganização do mobiliário urbano e reforço na iluminação. Reaberta totalmente ao público, a praça foi entregue “completamente revitalizada e mais bonita”, tornando-se novamente palco de eventos cívicos e culturais.

Dados de alcance: O esforço de revitalização do patrimônio durante a gestão Kassab atingiu uma abrangência sem precedentes até então. Só na rede de bibliotecas públicas, o número de unidades reformadas (41 no total) corresponde a mais da metade do total existente à época. O comparativo histórico ilustra o salto: em 2004, São Paulo possuía 77 bibliotecas públicas; ao final de 2012 eram 105 bibliotecas em funcionamento, maior patamar da história do município até aquele momento. No mesmo intervalo, o número de teatros municipais também cresceu (de 9 para 11 palcos sob gestão cultural, além dos espaços teatrais nos CEUs, conforme detalhado adiante). Em termos orçamentários, a restauração do Theatro Municipal foi uma das intervenções mais custosas: estima-se investimento de cerca de R$ 15 milhões na obra (parte captada via Lei Rouanet) – valor justificado pela complexidade artística do restauro. A Biblioteca Mário de Andrade recebeu investimento de aproximadamente R$ 16 milhões para sua modernização completa, incluindo aí recursos da Prefeitura e patrocínios culturais. Já o programa de restauro dos casarões históricos contou com apoio do Ministério da Cultura em alguns projetos (no caso do Solar da Marquesa, houve aporte do PAC das Cidades Históricas) e envolveu alguns milhões de reais adicionais. A Praça da Sé renovada beneficiou diretamente os milhares de pedestres que circulam diariamente pelo centro, devolvendo-lhes um espaço mais seguro e limpo.

Impactos imediatos: A reabertura dos equipamentos culturais centrais teve impacto simbólico e prático. O Theatro Municipal restaurado voltou a brilhar como palco principal da cidade – sua reinauguração em 2011 com espetáculos comemorativos reativou o interesse do público pelo centro, sendo elogiada como “o maior processo de restauração da história” daquele teatro. A Biblioteca Mário de Andrade, modernizada e com novos serviços (inclusive salas abertas até madrugada), viu seu público crescer substancialmente, tornando-se novamente um centro de referência para estudantes, pesquisadores e leitores em geral. A utilização noturna da biblioteca – algo até então raro – sinalizou uma mudança de paradigma na acessibilidade ao livro. Os imóveis históricos renovados passaram a integrar roteiros culturais: o Solar da Marquesa e a Casa Nº1 abrigaram exposições sobre a história paulistana, contribuindo para a redescoberta turística do centro. Já a Praça da Sé, limpando a imagem de abandono, voltou a sediar eventos populares e religiosos (como a tradicional missa campal de Corpus Christi), contribuindo para a sensação de segurança no centro velho.

Legados e continuidade: Muitas dessas melhorias estruturais resultaram em legado duradouro. O Theatro Municipal, por exemplo, desde então mantém-se em boas condições e serviu de base para a criação, em 2013, de uma nova fundação de gestão artística (a Fundação Theatro Municipal). A Biblioteca Mário de Andrade continuou expandindo serviços – em gestões posteriores ganhou programas de circulação de acervo e manteve o funcionamento estendido, consolidando-se como a maior biblioteca pública da cidade. As bibliotecas de bairro reformadas prosseguiram ativas, e o padrão de atualização de instalações tornou-se referência para outras cidades. Ademais, os edifícios históricos recuperados permaneceram como núcleos do Museu da Cidade, e essa política de preservação do patrimônio teve seguimento: gestões seguintes continuaram restaurando outros marcos históricos (por exemplo, a Casa do Bandeirante e o Monumento às Bandeiras foram restaurados na década seguinte inspirados nesse esforço inicial). Em resumo, Kassab entregou um centro mais conservado e apto a sediar atividades culturais, um legado tangível que ampliou a infraestrutura cultural para além de seu mandato.

Modernização e Expansão da Rede de Bibliotecas e Teatros de Bairro

Contexto e necessidade: Além dos equipamentos centrais, São Paulo apresentava o desafio de fortalecer a oferta cultural nas regiões fora do centro. Até o início dos anos 2000, muitas áreas periféricas eram consideradas “desertos culturais”, com poucas bibliotecas, centros culturais ou teatros disponíveis – uma situação que motivava reclamações de desigualdade no acesso à cultura. Em 2001-2004, a gestão municipal anterior havia iniciado a implantação dos CEUs (Centros Educacionais Unificados), integrando educação, esporte e cultura em bairros populares, incluindo teatros e bibliotecas nesses complexos. Ao assumir, Kassab viu a oportunidade de dar continuidade e ampliar essas estruturas descentralizadas. Havia também uma demanda por tornar as bibliotecas mais atraentes e sintonizadas com interesses específicos do público, pois muitas unidades tradicionais sofriam com baixa frequência. Assim, a necessidade histórica era dupla: aumentar a capilaridade territorial da infraestrutura cultural (abrindo novos espaços onde não existiam) e modernizar o conceito de biblioteca e teatro públicos, tornando-os mais relevantes para as comunidades locais.

Origem do problema: Em 2004, existiam 77 bibliotecas públicas municipais, número modesto frente à população de São Paulo e concentrado nas áreas centrais. Diversos distritos periféricos careciam de qualquer equipamento cultural. Os teatros de bairro administrados pela Secretaria de Cultura somavam apenas 9 unidades tradicionais, igualmente concentradas no centro expandido. Embora 21 CEUs tivessem sido construídos até 2004, ainda restavam regiões sem esses centros. Além disso, o formato padrão das bibliotecas – com acervo genérico e pouco espaço para atividades – mostrava-se pouco dinâmico para atrair novos públicos (especialmente jovens). O problema originário, portanto, residia numa distribuição desigual e num modelo engessado de equipamento cultural que precisava se reinventar.

Concepção da solução: Kassab adotou duas frentes complementares para enfrentar essa questão. A primeira foi expandir fisicamente a rede de equipamentos, concluindo e inaugurando novos CEUs e outras unidades culturais de bairro. Até 2012, a prefeitura entregou dezenas de CEUs adicionais (chegando a 45 unidades em funcionamento), cada um deles contendo biblioteca, teatro/auditório e salas multiuso, o que elevou significativamente a presença de infraestrutura cultural nas periferias. Concomitantemente, a Secretaria Municipal de Cultura lançou o projeto das Bibliotecas Temáticas, uma inovação na cidade: em vez de criar apenas novas bibliotecas, várias bibliotecas existentes foram redesenhadas com identidade temática específica (poesia, música, cultura popular, meio ambiente etc.), dotando cada unidade de acervo especializado e programação cultural voltada a um assunto. A ideia era que, “além do acervo comum”, cada biblioteca passasse a oferecer obras e atividades únicas conforme “a vocação de cada bairro”, tornando-as centros culturais de referência em seus temas e revitalizando seu uso. Essa concepção partiu do entendimento de que a biblioteca de bairro, se dotada de singularidade, poderia assumir “novo papel na cena cultural da cidade”, atraindo públicos específicos e valorizando identidades locais. Ainda dentro da modernização da leitura, concebeu-se criar os Pontos de Leitura, pequenos postos de empréstimo de livros em locais como praças, centros comunitários e mercados, para atingir regiões sem bibliotecas. Por fim, decidiu-se fortalecer programas já existentes, como o Ônibus Biblioteca (bibliotecas móveis que circulam em bairros distantes), ampliando sua frota e alcance. No tocante aos teatros, além de construir salas nos novos CEUs, a gestão planejou reabrir palcos fechados e apoiar a manutenção de Casas de Cultura (espaços culturais regionais multifuncionais), integrando-as à programação municipal.

Desenvolvimento e execução: Ao longo de 2006-2012, a Prefeitura inaugurou 24 novos CEUs (aproximadamente) dando continuidade ao plano original e expandindo a rede para 45 Centros Educacionais Unificados até 2012. Cada CEU possuía anfiteatro ou teatro com cerca de 200 lugares e bibliotecas comunitárias, o que praticamente duplicou o número de teatros disponíveis e incrementou significativamente a presença de bibliotecas em áreas carentes. Em paralelo, foram implementadas 11 Bibliotecas Temáticas em diversos bairros entre 2006 e 2012. A primeira, Biblioteca Alceu Amoroso Lima (Pinheiros), foi inaugurada em 2006 dedicada à Poesia; em 2007 seguiram-se unidades como a Biblioteca Belmonte (Santo Amaro), focada em Cultura Popular, e a Biblioteca Cassiano Ricardo (Tatuapé), de Música, entre outras. Nos anos seguintes vieram bibliotecas temáticas de Ciências (Mário Schenberg, Lapa, 2008), Cinema (Roberto Santos, Ipiranga, 2008), Literatura Fantástica (Viriato Corrêa, Vila Mariana, 2008), Meio Ambiente (Raul Bopp, Aclimação, 2009) e, em 2012, duas novas: a Biblioteca Paulo Duarte (Jabaquara), dedicada à Cultura Negra, e a Biblioteca Prestes Maia (Santo Amaro), especializada em Arquitetura e Urbanismo. Cada uma recebeu ambientação temática (mobiliário e decoração alusivos ao tema) e acréscimo de acervo específico – por exemplo, a Biblioteca Cassiano Ricardo passou a abrigar milhares de fonogramas históricos e CDs de música brasileira, integrando o acervo da antiga Discoteca Oneyda Alvarenga; já a Belmonte incorporou o Núcleo de Cultura Popular e ganhou prêmio do Ministério da Cultura pela inovação. Essas bibliotecas foram reinauguradas com eventos e programação especializada (oficinas de poesia, cineclubes, contação de histórias temáticas etc.), aumentando a interação com o público.

Em complemento, a iniciativa Pontos de Leitura criou mini-bibliotecas de empréstimo gratuito: até o final de 2012 havia 15 pontos implantados pela cidade, utilizados por cerca de 120 mil pessoas por ano, uma solução de baixo custo para difundir o hábito da leitura. O programa Ônibus Biblioteca, por sua vez, foi substancialmente ampliado durante Kassab: a frota passou a 12 ônibus circulando por bairros sem biblioteca fixa, atendendo igualmente a 120 mil empréstimos de livros por ano. Esses ônibus estacionavam em locais pré-definidos semanalmente, funcionando como bibliotecas itinerantes com acervo renovado e atividades de incentivo à leitura.

Quanto aos teatros e centros culturais de bairro, além das salas dos CEUs citadas, a gestão concluiu obras de reabertura de espaços importantes. Um exemplo foi a reativação, em 2009, do Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso (CCJ) na Vila Nova Cachoeirinha – um equipamento voltado ao público jovem, planejado na gestão anterior e efetivado na época de Kassab, incluindo teatro de arena, estúdios e biblioteca. Outro exemplo simbólico foi a implantação, no contexto da urbanização de Heliópolis (a maior favela de São Paulo), de um Centro Cultural no CEU Heliópolis, que incluiu a instalação de uma Casa de Cultura e de uma escola de música gerida pelo Instituto Baccarelli em parceria com a ONG Pró-Vida. Essa integração cultura-urbanização fez parte do projeto Bairro Educador em Heliópolis, trazendo infraestrutura cultural a uma comunidade até então excluída.

Dados de alcance: Em termos quantitativos, a expansão empreendida é expressiva. Como já mencionado, o total de bibliotecas municipais saltou para 105 unidades até 2012 (incluindo bibliotecas de CEUs e temáticas), um aumento de 36% em relação a 2004. Esse crescimento configurou o maior da história da cidade em número absoluto de bibliotecas. Os CEUs, somando 45 ao final de 2012, proveram espaços culturais a dezenas de distritos – cada CEU atendendo milhares de alunos e moradores. As 11 bibliotecas temáticas criadas nesse período cobriram uma variedade inédita de assuntos, e as pesquisas apontam que, já em 2013, essas unidades respondiam por parcela significativa dos eventos culturais na rede de bibliotecas. A iniciativa dos pontos de leitura e ônibus-biblioteca levou o serviço de biblioteca a centenas de bairros, alcançando conjuntamente cerca de 240 mil atendimentos/ano (livros emprestados), um indicador de abrangência importante. Ademais, o número de teatros em funcionamento sob gestão pública praticamente dobrou quando se somam os espaços dos CEUs: contando todos, havia 56 teatros públicos (11 municipais tradicionais + 45 palcos em CEUs) à disposição em 2012, contra 30 em 2004 – tornando a oferta de apresentações cênicas muito mais acessível regionalmente.

Impactos imediatos: As bibliotecas temáticas transformaram o perfil desses equipamentos e conquistaram novos usuários. Por exemplo, a Biblioteca Viriato Corrêa, ao especializar-se em literatura fantástica, passou a atrair fãs de ficção científica e fantasia, realizando mostras de cinema fantástico e aumentando sua visitação. A Biblioteca Temática de Cinema (Roberto Santos) tornou-se ponto de encontro de cinéfilos, com exibição regular de filmes e oficinas audiovisuais. Esse redesenho temático, aliado à ambientação inovadora, melhorou a imagem das bibliotecas municipais, antes vistas como espaços estáticos – agora eram dinâmicos e interativos, conectados às comunidades. A circulação de livros aumentou nas unidades requalificadas, segundo dados da Secretaria de Cultura divulgados em 2012. A população jovem também passou a se identificar mais com esses espaços – por exemplo, a Biblioteca Alceu Amoroso Lima promoveu saraus de poesia que engajaram coletivos de poetas locais. No geral, a biblioteca pública recuperou relevância local, assumindo uma função cultural mais ampla (muitas viraram pequenos centros culturais com programação diversificada). Os ônibus-biblioteca e pontos de leitura tiveram impacto direto em bairros onde nunca houvera serviço bibliotecário, criando novos leitores e facilitando o acesso ao livro sem a pessoa precisar deslocar-se grandes distâncias.

Nos teatros e centros culturais de bairro, o impacto foi sentido na oferta de programação: com mais palcos (especialmente via CEUs), espalharam-se apresentações artísticas e cursos gratuitos nas periferias. Muitas comunidades passaram a contar com peças teatrais, shows e mostras de dança em seus próprios bairros (como veremos adiante, programas como o CEU é Show aproveitaram essa infraestrutura). A inclusão de um centro cultural em Heliópolis, por exemplo, imediatamete beneficiou milhares de jovens com aulas de música (a Orquestra de Heliópolis, do Instituto Baccarelli, ganhou sede apropriada) e apresentações que antes não chegavam à favela. Em suma, a modernização e expansão da rede reduziram o “vazio cultural” das periferias – uma crítica recorrente –, ao mesmo tempo em que revitalizaram equipamentos existentes com novas funções.

Legados e continuidade: A estratégia de bibliotecas temáticas mostrou-se exitosa e teve sequência nas gestões posteriores. Tanto que, após 2013, a cidade ampliou o conceito criando outras temáticas (chegando a 13 bibliotecas temáticas na atualidade), incluindo novas áreas como literatura policial, direitos humanos e temática feminista – estas últimas implementadas já em 2015 em bibliotecas de Guaianases e Cidade Tiradentes. Ou seja, a inovação iniciada no período Kassab fincou raízes e evoluiu, indicando que a ideia realmente agregou valor à política do livro e leitura municipal. Os CEUs construídos continuaram a funcionar como polos educacionais e culturais; o programa de equipamentos integrados foi retomado pela gestão 2013–2016 (que construiu mais 3 CEUs) e permanece referência nacional em educação e cultura integradas. Muitos dos CEUs criados por Kassab mantiveram projetos culturais contínuos, como grupos de teatro e dança vocacional, mostras de filmes e bibliotecas ativas – garantindo que o investimento tivesse efeito de longo prazo na formação cultural local. A frota de ônibus-biblioteca seguiu ativa e foi renovada em anos posteriores, e os pontos de leitura foram incorporados à política municipal de incentivo à leitura (vários estão em operação até hoje, e a ideia serviu de modelo para “minibibliotecas” comunitárias em outras cidades). De modo geral, a gestão Kassab consolidou uma infraestrutura cultural descentralizada que serviu de base para programas subsequentes de difusão cultural. A prova do legado está na manutenção dessas unidades: nenhuma biblioteca inaugurada foi fechada nas gestões seguintes; ao contrário, suas programações cresceram e o público também. A descentralização cultural virou um princípio orientador das políticas paulistanas de cultura nos anos seguintes, muito graças a esse impulso dado em 2006-2012.

Implantação de Novos Equipamentos Culturais de Destaque

Contexto e necessidade: Paralelamente às melhorias em equipamentos existentes, a gestão Kassab também identificou lacunas históricas na estrutura cultural de São Paulo que exigiam a criação de novos equipamentos de grande porte. Entre essas demandas estavam: ter um espaço moderno para a formação e ensaio das companhias artísticas do Theatro Municipal (que há anos careciam de local adequado); dotar as regiões periféricas mais populosas de complexos culturais de referência; e criar museus inovadores em áreas temáticas pouco exploradas (como o futebol, paixão nacional, e o circo, tradição artística pouco registrada em acervo). Havia também a visão de que grandes projetos culturais poderiam servir como âncoras de requalificação urbana. Assim, foram planejados durante 2006-2012 alguns novos equipamentos culturais emblemáticos para suprir essas necessidades.

Origem do problema: O Theatro Municipal de São Paulo, após seu restauro físico, ainda enfrentava um antigo problema funcional: a falta de espaços para suas atividades-meio. Suas escolas de música e dança, bem como o corpo artístico (bailarinos, músicos), não dispunham de instalações adequadas para aulas, ensaios e armazenamento de materiais, utilizando espaços improvisados. No campo dos museus, São Paulo até então não possuía nenhum museu dedicado ao esporte mais popular do país – o futebol –, apesar de sediar importantes clubes e ter um enorme público potencial. Quanto à arte circense, inexistia no Brasil um centro público de memória que preservasse a história do circo, e a própria cidade de São Paulo, berço de grandes famílias circenses, não contava com um espaço celebrando essa tradição. Por fim, bairros periféricos gigantes como Cidade Tiradentes (extremo leste, mais de 200 mil habitantes) eram verdadeiros “vácuos” em termos de equipamentos culturais estruturados – a população jovem desses locais não tinha acesso próximo a teatros, cinemas ou escolas de artes. Essas demandas originárias – suprir lacunas temáticas e territoriais – motivaram a concepção de novos projetos.

Concepção da solução: Para atender à demanda do Theatro Municipal, idealizou-se a criação do Complexo Praça das Artes, um amplo complexo cultural multifuncional no centro da cidade, a poucos metros do teatro histórico. Concebido pelos arquitetos Marcos Cartum e Brasil Arquitetura, o projeto consistiria em reurbanizar uma quadra degrada próxima (conhecida como “Quadra 27”) e erguer ali um conjunto de edificações modernas integradas a edifícios históricos existentes, abrigando salas de ensaio, escolas de música e dança, e espaços expositivos e de apresentação para complementar o Theatro Municipal. A ideia central era revitalizar aquele trecho do centro (entre as Ruas Conselheiro Crispiniano, Formosa e Av. São João) por meio da cultura, criando “um espaço que pode receber grandes eventos, integrado à cidade e democrático”, nas palavras de Kassab. Com investimento previsto de R$ 136 milhões, esperava-se não só sanar a carência de infraestrutura artística, mas também requalificar urbanisticamente o entorno e apoiar a revitalização contínua do centro.

Paralelamente, para a zona leste periférica, Kassab planejou o Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes (CFCCT), concebido como o maior equipamento cultural municipal já construído fora do centro. A proposta era implantar, em terreno público no coração de Cidade Tiradentes, um complexo de 30 mil m² com teatro, cinema público, biblioteca, salas de aula e oficinas, áreas de exposição e convivência, voltado à formação técnica e artística da população local. Esse centro seria focado especialmente em jovens e crianças de uma região de alta vulnerabilidade social, oferecendo cursos profissionalizantes em artes (música, dança, figurino, iluminação etc.), além de atividades culturais e de lazer para todas as idades. O CFCCT foi concebido para ser um polo que articulasse cultura, educação e capacitação profissional, integrando-se à Fundação Paulistana (braço municipal de educação e trabalho) para gerir cursos e estimular a economia criativa local.

Em relação aos museus, a gestão decidiu apoiar a criação do Museu do Futebol, projeto que já vinha sendo discutido desde 2005. A concepção envolveu transformar parte do Estádio Municipal do Pacaembu em um museu interativo e multimídia, pioneiro no Brasil, dedicado à história e à emoção do futebol brasileiro. O conceito era utilizar recursos tecnológicos inovadores (simulações, vídeos, experiências sensoriais) para atrair não só fãs de esporte mas o público em geral, registrando a memória do futebol de forma lúdica e educativa. Com curadoria de especialistas e apoio de ex-jogadores, o museu seria uma parceria público-privada: a Prefeitura cederia o espaço e coordenação, e empresas patrocinadoras (Banco Real, Telefônica, Ambev, Visa, entre outras) juntamente com a Fundação Roberto Marinho entrariam com recursos e expertise museológica. Assim se viabilizou financeiramente o projeto estimado em cerca de R$ 30 milhões de investimento, numa área de 6.900 m² dentro do Pacaembu.

Para a arte circense, a solução concebida foi a criação do Centro de Memória do Circo (CMC), o primeiro do gênero no país. Aproveitando a existência da Galeria Olido (centro cultural municipal no Largo do Paissandu) – região historicamente ligada ao circo paulistano – planejou-se ali um espaço permanente para preservar e difundir a história do circo brasileiro. A concepção do CMC envolveu coletar e exibir acervos de importantes famílias circenses, fotografias, figurinos, documentos e objetos, além de criar uma programação voltada às artes circenses contemporâneas. A iniciativa nasceu “da necessidade de reconstituir, preservar e difundir a história do circo no nosso país”, preenchendo uma lacuna de memória cultural.

Desenvolvimento e execução: O Complexo Praça das Artes teve sua construção iniciada em maio de 2009. Foi uma obra urbanística de grande envergadura: demoliram-se edificações sem valor histórico e preservou-se a fachada do antigo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, incorporando-a ao projeto. A primeira fase do complexo – incluindo o bloco principal contemporâneo e a restauração do prédio do conservatório – ficou pronta em dezembro de 2012. Essa etapa inicial, inaugurada por Kassab no final do mandato, já abrigou de imediato a Escola Municipal de Dança e a Escola Municipal de Música (antes espalhadas em locais precários), estúdios amplos e estruturados, além de um estacionamento subterrâneo de 200 vagas para apoiar a logística do Theatro Municipal. A Praça das Artes começou a ser ocupada pelos alunos e companhias artísticas em 2013, já na gestão seguinte, mas fruto direto do investimento e planejamento de 2009-2012. O resultado arquitetônico ganhou reconhecimento: o projeto foi laureado com o Prêmio APCA 2012 de Melhor Obra de Arquitetura e, em 2013, recebeu o Icon Awards – Edifício do Ano, de uma publicação internacional, além de ser finalista de prêmio Mies Crown Hall Americas. Isso demonstra a qualidade da execução. A conclusão total dos demais módulos (que incluiriam espaços para a Orquestra Sinfônica Municipal, corpo de balé e uma praça coberta) prosseguiu após Kassab, mas o embrião funcional estava lançado.

O Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes teve suas obras iniciadas por volta de 2010. Embora tenha sido criado no final da gestão Kassab, em 2012, sua inauguração oficial ao público aconteceu em 2013. Durante 2012, contudo, Kassab entregou o edifício-base concluído. O CFCCT foi edificado como uma grande estrutura moderna, com arquitetura de linhas curvas e um colorido painel na fachada representando figuras humanas (obra artística que simboliza a união comunitária). O centro conta com uma sala de cinema (150 lugares) integrada ao circuito público de cinema (SPCine), um teatro de 240 lugares, biblioteca multimídia temática (focada em direitos humanos, com 20 mil volumes), salas de exposições e multiuso, além de diversos espaços pedagógicos como ateliês de costura, salas de música, dança, estúdios e até um telecentro digital. Trata-se do maior equipamento cultural municipal na Zona Leste paulistana. A entrega desse centro representou a materialização de anos de demandas da comunidade local por infraestrutura cultural e de qualificação – tanto que a gestão seguinte manteve o foco na sua operacionalização.

O Museu do Futebol foi implementado de forma bastante célere. As obras de adaptação do Estádio do Pacaembu iniciaram em 2007 e concluíram em meados de 2008. O prefeito Kassab acompanhou de perto a instalação do museu, que foi inaugurado em 29 de setembro de 2008 com sua exposição principal pronta. Na abertura, Kassab destacou que o Museu do Futebol seria “uma das maiores atrações turísticas da cidade” dali em diante. De fato, já na concepção se apostou no apelo universal do tema: a exposição permanente distribuiu-se em 15 salas temáticas altamente interativas, narrando de forma lúdica a relação do futebol com a identidade brasileira, seus ídolos e momentos marcantes. Houve forte parceria entre entes: a São Paulo Turismo (empresa municipal) participou da coordenação, enquanto patrocinadores privados garantiram recursos e a Fundação Roberto Marinho atuou no design museográfico. O custo final ficou próximo de R$ 32,5 milhões. O museu abriu ao público com a exposição inaugural “As Marcas do Rei” (sobre Pelé), aproveitando a presença do próprio Pelé no evento – uma estratégia de marketing e prestígio.

Já o Centro de Memória do Circo foi desenvolvido dentro da Galeria Olido. Em 2008 e 2009, a Secretaria de Cultura trabalhou na coleta de acervo e montagem do espaço. A inauguração deu-se em 16 de novembro de 2009. O CMC ocupou uma área no segundo andar da Galeria Olido, instalando vitrines com fotografias históricas, objetos e documentos do circo nacional (incluindo arquivos de circos tradicionais como o Circo Garcia e o Circo Nerino). Também foram produzidas exposições temporárias – inclusive antes mesmo da abertura oficial, a Olido recebeu em 2008 a mostra “Largo do Paissandu: onde o circo aconteceu”, prenúncio do CMC. Com a abertura, o Centro de Memória do Circo passou a oferecer consulta ao acervo digitalizado, visitas mediadas e eventos temáticos gratuitos, consolidando-se como parte integrante do polo cultural do Largo do Paissandu (que já contava com o cine Olido e espaços de dança). Vale notar que essa iniciativa contou com envolvimento da classe circense – muitos artistas doaram itens e participaram ativamente para que o centro nascesse.

Dados de alcance: Cada um desses novos equipamentos trouxe números e fatos marcantes. A Praça das Artes, mesmo inaugurada parcialmente, entregou 29 mil m² de novas instalações culturais ao centro, incorporando um prédio histórico restaurado e preenchendo uma quadra que antes era ocupada por cortiços e imóveis abandonados. Estima-se que, já em 2013, mais de 1.300 alunos das escolas de música e dança municipais passaram a usar o complexo diariamente, além do público de eventos. O CFC Cidade Tiradentes, com seus 30 mil m², tornou-se o maior centro cultural da periferia paulistana – capaz de atender milhares de pessoas por mês em cursos e sessões culturais. Por exemplo, somente sua sala de cinema (inaugurada posteriormente em parceria com o circuito SPCine) tem potencial para 20 mil espectadores por ano com programações regulares. O Museu do Futebol, em seu primeiro ano completo (2009), recebeu mais de 400 mil visitantes, posicionando-se como o 4º museu mais visitado de São Pauloe confirmando a previsão de Kassab de figurar entre os museus mais populares do país. Desde a abertura até 2012, acumulou cerca de 1,5 milhão de visitantes – um sucesso de público. Já o Centro de Memória do Circo, embora de menor porte, catalogou centenas de itens de acervo e registrou oralmente depoimentos de dezenas de artistas circenses veteranos, preservando histórias que antes viviam apenas na memória dessas famílias. Além disso, tornou-se ponto de encontro da comunidade circense, atendendo estudantes de artes cênicas, pesquisadores e público em geral interessado (foram milhares de visitantes em exposições temporárias e consultas nos primeiros anos).

Impactos imediatos: O impacto do Complexo Praça das Artes foi duplo: cultural e urbano. Culturalmente, ele permitiu ampliar as atividades do Theatro Municipal – com novas salas, a Escola de Dança municipal finalmente ganhou sede própria com 10 salas amplas equipadas (espelhos, barras, pianos) e infraestrutura adequada (acústica especial e elevadores de carga para cenários). Isso melhorou a formação de bailarinos, atendendo principalmente crianças e adolescentes antes em fila de espera. A Escola de Música também passou a contar com estúdios e a sala do Conservatório restaurada, valorizando jovens talentos. Eventos de médio porte puderam ser realizados ali, aliviando o uso do Teatro Municipal para apenas grandes produções. Urbamente, a Praça das Artes revitalizou aquele entorno do Vale do Anhangabaú: prédios degradados deram lugar a uma arquitetura contemporânea icônica, que inclusive criou um novo acesso público integrando ruas e praças. Com iluminação noturna cênica e seguranças, o local tornou-se um ponto de movimentação fora do horário comercial, contribuindo para a “redescoberta do centro histórico” pela população. Hoje, a Praça das Artes é elogiada como um marco arquitetônico e foi apropriada pelos paulistanos – frequentemente recebe eventos culturais gratuitos, além de ser sede de corpos artísticos estáveis do município.

No caso do CFC Cidade Tiradentes, o impacto imediato ao abrir foi oferecer oportunidades inéditas de formação na região. Jovens que dificilmente teriam acesso a cursos de audiovisual, dança, música ou teatro puderam inscrever-se ali mesmo no bairro. O centro logo sediou também apresentações e mostras locais, tornando-se referência cultural para dezenas de bairros do extremo leste. Ele contribuiu para revelar talentos locais e diminuir a sensação de isolamento cultural daquela comunidade. O sucesso inspirou propostas de centros similares em outras periferias (embora não tenham sido construídos outros de igual porte, a ideia de “fab labs” e centros de juventude tomou força na cidade posteriormente).

O Museu do Futebol teve repercussão imediata na mídia e entre visitantes: inovou ao usar alta tecnologia e emoção para contar a história esportiva, o que fez dele um passeio procurado por famílias, turistas e excursões escolares. Foi apontado como exemplo de museu interativo de nova geração. Além do grande público, o museu trouxe retorno turístico – integrando-se ao circuito cultural da cidade; pesquisas de turismo mostraram que passou a constar entre os pontos mais recomendados em São Paulo nos anos seguintes. Seu sucesso ainda motivou a criação de museus temáticos semelhantes: a prefeitura do Rio de Janeiro e outras cidades referenciaram-se no modelo do Museu do Futebol paulistano para planejar espaços culturais esportivos.

Quanto ao Centro de Memória do Circo, seu impacto foi principalmente no meio cultural: artistas circenses passaram a ter um local para encontrarem sua história preservada, reforçando a identidade da classe. Para o público, revelou-se um espaço curioso e encantador – muitos visitantes relataram conhecer pela primeira vez a rica trajetória do circo nacional através das exposições ali. O CMC também impulsionou ações educativas, recebendo alunos da rede pública para vivências sobre a arte circense. Assim, algo que era intangível (lembranças do circo) ganhou forma, influenciando inclusive posteriores políticas de valorização das artes circenses (como editais específicos de circo e a inclusão do circo no Circuito Municipal de Cultura em gestões seguintes).

Legados e continuidade: Todos esses equipamentos culturais novos consolidaram-se nos anos após Kassab e permanecem ativos, evidenciando o legado sólido. A Praça das Artes, incorporada ao “Complexo Theatro Municipal”, tornou-se sede da Orquestra Sinfônica Municipal, do Balé da Cidade e abrigou a criação da Academia de Ópera e outras iniciativas formativas na gestão posterior – ou seja, sua função originalmente pensada continua se expandindo. O complexo também serviu de inspiração para outros projetos de revitalização via cultura (por exemplo, a ideia de um “Boulevard das Artes” no centro, debatida posteriormente, baseou-se no sucesso da Praça das Artes). O Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, por sua vez, prosseguiu ofertando cursos e eventos regularmente. Diversos programas da Secretaria de Cultura nas gestões seguintes usaram o CFCCT como base (incluindo edições do Programa Vocacional e oficinas do PIÁ – Iniciação Artística). Até hoje, o CFCCT é considerado um modelo de centro cultural multifuncional em área periférica e tem mantido boa parte de sua estrutura de cursos profissionalizantes graças à Fundação Paulistana.

O Museu do Futebol permanece como um dos museus mais visitados do Brasil anualmente. Sob gestão de uma organização social a partir de 2010, ele se moderniza continuamente (incluindo atualizações de acervo digital e exposições temporárias a cada ano). Sua existência impulsionou o desenvolvimento de uma Rede de Museus do Esporte no país e mostrou a viabilidade de parcerias público-privadas em equipamentos culturais em São Paulo. Em 2014, com a Copa do Mundo no Brasil, o museu foi vitrine internacional, consolidando seu legado educativo. Já o Centro de Memória do Circo continua em operação dentro do Centro Cultural Olido. Ele colaborou para políticas culturais de circo nas gestões seguintes, como a criação de um edital municipal de apoio a trupes circenses e o reconhecimento do Circo como patrimônio imaterial paulistano (discussões que envolveram o acervo preservado pelo CMC). Em suma, os novos equipamentos implantados entre 2006 e 2012 preencheram lacunas históricas e deixaram infraestrutura cultural que continuou servindo a cidade muito além do término daquela gestão.

Programas de Fomento e Formação Cultural

Contexto e necessidade: Além de investir em edificações e eventos, a gestão Kassab dedicou atenção especial às políticas de fomento à produção cultural e de formação artística, dando continuidade e aprimorando programas anteriores, bem como criando novos mecanismos. A cidade de São Paulo já possuía, desde o início dos anos 2000, algumas iniciativas pioneiras de apoio financeiro a artistas e grupos, notadamente a Lei de Fomento ao Teatro (implantada em 2002) e o Programa VAI – Valorização de Iniciativas Culturais (lançado em 2003) para apoiar pequenos projetos de jovens da periferia. Havia também programas de formação como o Teatro Vocacional (iniciado em 2001) e o Projeto Guri (estadual, em parceria municipal). A necessidade histórica era consolidar e ampliar esses instrumentos, garantindo sua continuidade e ampliando seu alcance, bem como preencher áreas artísticas até então sem fomento específico (por exemplo, a dança e o cinema, que careciam de editais próprios). Além disso, identificou-se a importância de iniciar crianças e adolescentes nas artes desde cedo, sobretudo aproveitando a infraestrutura dos CEUs e bibliotecas, para estimular renovação de público e revelar novos talentos – respondendo a demandas de educadores e artistas por políticas formativas mais robustas.

Origem do problema: Antes de 2006, as políticas de fomento ainda eram incipientes e enfrentavam desafios. O Programa VAI, por exemplo, era relativamente novo e de escopo limitado (beneficiava algumas dezenas de projetos por ano com valores pequenos). A dança, como linguagem artística, não contava com um mecanismo municipal de apoio contínuo comparável ao do teatro – o que levava companhias de dança a uma situação precária e resultava em êxodo de talentos. No audiovisual, apesar da importância econômica e simbólica do cinema, São Paulo não possuía um fundo municipal expressivo para produção cinematográfica local, dependendo apenas de editais estaduais ou federais. No campo educativo, embora houvesse oficinas vocacionais, faltava um programa específico para iniciação artística das crianças menores. Portanto, o problema de origem era a lacuna ou insuficiência de fomento em certos setores e a dispersão de ações formativas sem um formato unificado para o público infantojuvenil.

Concepção da solução: A administração Kassab optou por fortalecer o que já existia e inovar onde havia vazio. Primeiramente, institucionalizou e ampliou o Programa VAI, garantindo orçamento anual crescente para ele e mantendo seus objetivos originais de estimular a criação cultural nas periferias por jovens de 18 a 29 anos. O VAI passou a ser um programa consolidado da Secretaria de Cultura, com editais lançados todo começo de ano, democratizando a seleção de projetos. Em segundo lugar, atendeu-se a uma reivindicação histórica da classe da dança criando a Lei Municipal de Fomento à Dança (aprovada em 2005 e regulamentada a partir de 2006), viabilizando editais regulares para companhias independentes de dança na cidade, similar ao modelo do teatro. Com isso, durante a gestão Kassab foram lançados os primeiros editais de fomento à dança, destinando recursos para manutenção de grupos e criação de obras coreográficas – conforme destacado nos registros de realizações da época. De forma análoga, passou-se a investir em fomento ao cinema: a Secretaria Municipal de Cultura instituiu editais de apoio a produções de longa-metragem e festivais de cinema locais. Uma iniciativa importante foi a criação, em 2009, do Concurso de Apoio a Projetos de Longa-Metragem paulistanos, que selecionou anualmente filmes de baixo orçamento para receber aporte municipal complementar (às vezes em parceria com editais estaduais e Ancine).

No campo da formação, Kassab decidiu continuar os programas Vocacional (Teatro, Dança e Música Vocacional) e ampliá-los para mais bairros, em parceria entre as secretarias de Educação e Cultura. Esses programas traziam profissionais orientadores para dar oficinas artísticas gratuitas em centros culturais, CEUs e casas de cultura, ao longo do ano, formando grupos teatrais amadores, corais, bandas e grupos de dança com jovens e adultos da comunidade. A novidade implementada em 2008 foi o PIÁ – Programa de Iniciação Artística, voltado especificamente a crianças de 5 a 14 anos. O PIÁ foi implantado inicialmente em alguns CEUs e bibliotecas municipais com a proposta de desenvolver a sensibilidade, imaginação e criatividade das crianças por meio de vivências em artes visuais, música, teatro e dança. Era um programa interlinguagens, lúdico e introdutório, preenchendo uma lacuna de atendimento infantil anterior (que focava mais em adolescentes). Com isso, buscou-se formar futuras gerações de apreciadores e criadores culturais.

Desenvolvimento e execução: Durante 2006-2012, o Programa VAI teve suas edições anuais garantidas e ampliadas. Por exemplo, em 2012 o edital do VAI destinou um total de R$ 3,1 milhões para financiar projetos culturais comunitários, com até R$ 23 mil por projeto selecionado. Esse montante permitiu apoiar cerca de 150 projetos naquele ano – número consideravelmente maior do que no início do programa (em 2004, para comparação, apoiou-se cerca de 50 projetos com R$ 1,6 milhão). Ou seja, Kassab praticamente dobrou o alcance financeiro do VAI, consolidando-o como política permanente. Os projetos contemplados envolveram teatro, hip-hop, música, dança, literatura, audiovisual, artes visuais, cultura popular, entre outros, sempre priorizando iniciativas de jovens de periferias com poucas opções de lazer. O processo seletivo manteve-se democrático, com comissão julgadora independente e ampla divulgação nas comunidades.

No fomento ao Teatro e Dança, os editais continuaram ocorrendo regularmente a cada ano (no teatro, dois editais por ano, selecionando em média 15 grupos cada; na dança, um edital anual selecionando cerca de 10 companhias). A prefeitura destinou recursos significativos: aproximadamente R$ 4 a 5 milhões anuais para o teatro de grupo e cerca de R$ 2 milhões anuais para a dança, ao longo do período. Isso permitiu sustentar coletivos teatrais tradicionais da cidade e impulsionar a cena de dança contemporânea emergente. Por exemplo, várias companhias de dança criadas na segunda metade dos anos 2000 só conseguiram se estruturar graças a esses editais municipais.

Para o audiovisual, foram lançadas ao menos três edições de concurso de fomento a longas durante a gestão. Cada edição chegava a selecionar de 4 a 6 projetos de filmes, com valores de aproximadamente R$ 250 mil a R$ 500 mil por projeto. Além disso, a Secretaria de Cultura apoiou a realização da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (tradicional evento anual) e do Festival de Curtas de São Paulo, mediante convênios e patrocínio, garantindo continuidade desses eventos durante os anos 2000. Foi plantada também a semente do que viria a ser a SPCine (empresa municipal de cinema, criada em 2015) – pois em 2012 Kassab encomendou estudos para estruturar uma política mais robusta de audiovisual, baseando-se na experiência acumulada com os editais pontuais.

No front da formação cultural, o Programa Vocacional foi estendido a praticamente todos os CEUs e casas de cultura ao longo desses anos. Houve incremento de vagas e contratação de novos artistas-orientadores, o que resultou em centenas de oficinas regulares de teatro, dança e música atendendo jovens e adultos em seus próprios bairros. Esses programas foram responsáveis pela formação de dezenas de grupos artísticos amadores que chegaram a se apresentar em mostras públicas (como a Mostra da Cooperativa Paulista de Teatro de Teatro Vocacional).

Já o PIÁ (Iniciação Artística), implantado como piloto em 2008, foi gradualmente ampliado. Ele funcionava por núcleos nos CEUs, atendendo crianças em contraturno escolar com atividades de artes integradas. Até 2012, o PIÁ estava ativo em 24 CEUs e 8 bibliotecas aproximadamente, atendendo milhares de crianças por ano. A metodologia do PIÁ, inovadora por não segmentar por linguagem mas trabalhar expressão artística de forma global na infância, recebeu reconhecimento e seria posteriormente adotada por outras cidades.

Dados de alcance: Os números ilustram o alcance dos programas de fomento e formação nessa gestão. O Programa VAI, entre 2006 e 2012, apoiou cerca de 700 projetos culturais de periferia no total, se somarmos todas as edições (cada edição contemplando de 80 a 150 projetos, com tendência de alta nos últimos anos). Isso representou milhares de jovens artistas beneficiados diretamente e um impacto indireto em centenas de comunidades que assistiram às atividades resultantes (shows, oficinas, saraus, revistas, vídeos produzidos etc.). Ressalte-se que em 2011 o VAI teve uma das edições mais concorridas da história até então, e a taxa de aprovação de projetos aumentou graças ao maior orçamento.

Os editais de fomento ao teatro mantiveram cerca de 30 grupos financiados por ano, garantindo a produção contínua de peças encenadas para um público estimado em 200 mil espectadores anualmente (somando o público alcançado por todos os grupos fomentados nos circuitos de apresentações gratuitas ou a preços populares). O fomento à dança, implementado em 2006, até 2012 já havia apoiado cerca de 40 companhias diferentes, muitas das quais se firmaram e seguem em atividade até hoje graças a esse suporte inicial. Vários espetáculos de dança premiados nacionalmente nesse período foram viabilizados pelo edital paulistano.

No audiovisual, os editais municipais permitiram que ao menos 15 longas-metragens de produtores paulistanos saíssem do papel, alguns inclusive exibidos posteriormente em festivais internacionais. Por exemplo, filmes de diretores estreantes que receberam esse apoio foram lançados em circuitos alternativos entre 2010 e 2013. Além disso, dezenas de curtas-metragens e vídeos comunitários foram realizados via apoio do VAI e outros editais de menor porte.

Quanto aos programas de formação: o Vocacional atendeu, em números aproximados, mais de 8 mil participantes por ano nas três linguagens somadas, espalhados em todos quadrantes da cidade. Muitos dos participantes eram jovens de baixa renda que tiveram ali a primeira experiência orientada com teatro, música ou dança, num total de mais de 40 locais de atividade. O PIÁ, por sua vez, chegou a atender cerca de 2 mil crianças por ano nas unidades onde atuou, frequentemente com listas de espera devido à alta procura.

Impactos imediatos: As políticas de fomento consolidaram a cena cultural independente de São Paulo. O VAI em particular teve um efeito transformador nas periferias: coletivos de cultura hip-hop, de sarau de poesia, de teatro comunitário e grupos de música regional puderam realizar projetos que sem esse subsídio não aconteceriam. Isso gerou um florescimento de atividades nas bordas da cidade – muitos grupos fomentados pelo VAI passaram a se apresentar em eventos locais, criar redes entre si e alguns ganharam projeção além do bairro. Por exemplo, diversos saraus da periferia (Cooperifa, Sarau do Binho etc.) fortaleceram-se nesse período e difundiram a literatura periférica, muito em razão do apoio do VAI e reconhecimento público decorrente. De imediato, isso elevou a autoestima cultural em comunidades e revelou novos produtores culturais (vários artistas hoje renomados em slam poetry, funk, rap, artes visuais, começaram pequenos projetos com apoio do VAI nessa época).

O fomento contínuo ao teatro e dança garantiu a sobrevivência e profissionalização de grupos importantes. No teatro, companhias como Os Satyros, Parlapatões, Folias e inúmeras outras mantiveram produção regular, ajudando a consolidar o circuito de teatros de grupo na cidade (principalmente na região central). Essa estabilidade resultou em obras de maior qualidade e na formação de plateias: muitos espectadores tiveram acesso a programação teatral não-comercial, gratuita ou barata, graças a esses grupos fomentados que passaram a circular com suas peças em CEUs, centros culturais e eventos como a Virada Cultural. Na dança, companhias emergentes (Cisne Negro, Cia. Druw, Núcleo Luz, entre outras) conseguiram se estabelecer. A cidade passou a ser referência também em dança contemporânea, com espetáculos ganhando prêmios nacionais – um reflexo desse investimento antes inexistente.

Os editais de cinema, ainda que modestos em comparação com necessidades do setor, plantaram a possibilidade de uma política audiovisual local. Imediatamente, possibilitaram a diretores paulistanos produzirem obras autorais. Além disso, a Prefeitura, via acordos, trouxe para São Paulo a SP Film Commission (iniciativa articulada em 2012 e implementada em 2013 para facilitar filmagens na cidade), impulsionando o setor. Tudo isso aumentou a percepção de São Paulo como polo de produção audiovisual e ajudou a dar os passos iniciais para a posterior criação da empresa SPCine, que ampliaria exponencialmente esse apoio a partir de 2015 – um legado claro da semente lançada por Kassab.

No âmbito formativo, os resultados foram igualmente positivos. O Teatro, Dança e Música Vocacional mantiveram centenas de jovens longe da ociosidade, engajados em atividades criativas, e alguns descobriram vocação profissional ali (vários participantes prosseguiram estudos artísticos ou montaram coletivos após a experiência). Além do impacto individual, os produtos finais (apresentações, mostras) enriqueceram a cena cultural local – por exemplo, em muitos CEUs o espetáculo de encerramento do Vocacional se tornou um evento esperado pela comunidade, lotando auditórios e trazendo famílias inteiras para prestigiar. Já o PIÁ teve um efeito muitas vezes notado pelos pais e educadores: as crianças envolvidas apresentaram melhora em habilidades socioemocionais, desinibição e gosto pelas artes na escola. Semeou-se a apreciação cultural desde cedo, o que é intangível mas fundamental para formar público futuro. Vale citar que o modelo do PIÁ de São Paulo foi levado como referência no Plano Nacional de Cultura para inspirações em outros municípios.

Legados e continuidade: A continuidade dessas políticas de fomento e formação foi uma das marcas de legado da gestão Kassab. O Programa VAI, por exemplo, não apenas continuou nas gestões seguintes como foi expandido em 2013 com a criação do VAI 2, uma modalidade extra para artistas acima de 30 anos, aumentando ainda mais seu alcance – uma expansão que seria impensável se o programa não estivesse solidamente implementado e com resultados visíveis. Até hoje (2025), o VAI segue ativo e é visto nacionalmente como modelo de política pública cultural inclusiva, tendo inspirado programas similares em outras cidades.

A Lei de Fomento à Dança se firmou: ano após ano, novos editais são lançados, e São Paulo permanece sendo a única cidade brasileira com um mecanismo tão robusto para dança (um legado direto daquele período). A cultura do fomento ao teatro e dança tornou-se parte do DNA da cidade – mesmo em momentos de contingenciamento, a sociedade civil defendeu e manteve essas conquistas. Do mesmo modo, a política de apoio ao audiovisual deu frutos: a SPCine foi criada poucos anos depois, sistematizando incentivos, e hoje São Paulo colhe dividendos como cenário de produções internacionais e fomento a centenas de filmes, algo que começou com aqueles pequenos passos entre 2009-2012.

Os programas formativos Vocacional e PIÁ também foram preservados e fortalecidos. A gestão subsequente (2013-2016) ampliou o PIÁ para mais bibliotecas e incluiu artes visuais como eixo, construindo sobre o que Kassab deixou estabelecido. Até hoje, tanto o Vocacional quanto o PIÁ são oferecidos regularmente, tendo atendido dezenas de milhares de pessoas ao longo das décadas – um legado humano difícil de mensurar em números, mas profundamente enraizado na vivência cultural paulistana.

Em resumo, Kassab garantiu continuidade institucional a políticas de fomento e abriu novas frentes (dança, cinema, infância), deixando uma herança estrutural: São Paulo saiu de 2012 com um ecossistema de apoio aos artistas muito mais robusto do que entrou em 2006. Essa rede de fomento e formação possibilitou que a efervescência cultural da cidade se mantivesse e se renovasse nos anos seguintes, independentemente de mudanças administrativas.

Grandes Eventos Culturais e Democratização do Acesso

Contexto e necessidade: No início dos anos 2000, havia uma tendência inovadora de realizar eventos culturais de grande porte e gratuitos que ocupassem a cidade por inteiro – em parte inspirada pela “Nuit Blanche” europeia. São Paulo experimentou isso em 2005 com a primeira edição da Virada Cultural, que foi um sucesso de público. Ao assumir, Kassab percebeu o potencial transformador desses eventos: eles não só oferecem cultura de forma maciça e democrática, como também ajudam a ressignificar espaços urbanos (especialmente o centro da cidade, durante a Virada). A necessidade era consolidar e expandir a Virada Cultural, mantendo seu vigor anual. Além disso, notou-se que era preciso levar eventos culturais também aos bairros regularmente, não ficando restrito a um grande evento anual no Centro. Assim, surgiu a demanda por criar circuitos e festivais descentralizados nas periferias, incentivando a população local a participar e sentir-se parte da vida cultural da cidade. A gestão Kassab teve, portanto, o desafio de democratizar ainda mais o acesso, tanto em termos de volume (milhões de pessoas atendidas) quanto de distribuição geográfica das atividades culturais.

Origem do problema: Tradicionalmente, os grandes espetáculos e shows em São Paulo ou eram pagos e restritos a poucos, ou quando gratuitos se concentravam em regiões centrais (como no Vale do Anhangabaú ou Parque Ibirapuera). Isso deixava a periferia excluída dos grandes momentos culturais. A Virada Cultural de 2005 acendeu a ideia de que o Centro poderia voltar a ferver culturalmente, mas também evidenciou que muitos munícipes de bairros distantes não conseguiam aproveitar plenamente (fosse por dificuldade de deslocamento ou por receio de segurança à noite fora de sua região). Assim, a origem do esforço posterior foi suprir essa lacuna: manter a Virada cada vez maior e melhor (dado seu sucesso inicial) e paralelamente conceber eventos novos voltados explicitamente às “quebradas” (gíria para periferias).

Concepção da solução: Kassab decidiu investir pesado na Virada Cultural, tornando-a um carro-chefe anual da cidade. A concepção sob sua gestão foi expandir as atrações, incluir todas as regiões da capital com palcos e atividades, e diversificar a programação para atender a todos os gostos e faixas etárias. Isso envolveu logística complexa – bloqueios de rua, segurança reforçada, articulação com transporte 24h – mas foi abraçado como política de Estado. Com relação às periferias, a gestão concebeu dois programas principais: a Quebrada Cultural e o CEU é Show. A Quebrada Cultural foi pensada como uma “mini-virada” itinerante pelos bairros: um evento periódico, de preferência em fins de semana, que levasse shows e entretenimento gratuitos às diversas regiões periféricas. A ideia era cada edição ocorrer em um bairro ou conjunto de bairros, com estrutura montada em praças ou centros culturais locais, num circuito rotativo. Por sua vez, o CEU é Show foi criado em 2010 como um programa contínuo para aproveitar a rede de 45 CEUs e levar até seus teatros e ginásios os grandes espetáculos culturais que normalmente só aconteciam no centro ou em casas de espetáculo comerciais. A concepção do CEU é Show era inovadora: artistas consagrados – “grandes nomes da música e do teatro” – fariam apresentações gratuitas nos palcos dos CEUs, permitindo que moradores dos bairros mais pobres vissem shows de alto nível sem precisar sair da sua região. Essa programação ocorreria ao longo do ano, divulgada amplamente e articulada com secretarias de educação e subprefeituras para alcançar o público local. Além desses, a gestão Kassab apoiou e fortaleceu outros eventos culturais de massa já existentes, como por exemplo a Bienal de Arte do Ibirapuera (embora esta seja estadual, a prefeitura entrou como parceira na edição de 2010 que sofreu risco devido a incêndio no prédio, ajudando na reconstrução de parte do espaço expositivo) e as festas populares (como o Carnaval de rua, que ainda era tímido e começava a ser incentivado com blocos locais a partir de 2012). Houve também a criação da Virada Esportiva (em 2007) inspirada na Virada Cultural, porém voltada a atividades esportivas – não é cultural por si, mas mostra como a ideia de “virada” 24h inspirou outras áreas.

Desenvolvimento e execução: Sob Kassab, a Virada Cultural cresceu de forma espetacular. Já na 2ª edição (2006) e 3ª edição (2007) houve aumento de público e palcos. A prefeitura investiu em palcos temáticos (rock, MPB, eletrônico, infantil, comédia etc.) distribuídos pelo centro e em alguns bairros. Em 2008, apesar de incidentes de segurança que foram aprendizados, a Virada consolidou-se. Até chegar em 2012, na 8ª edição, quando a Virada Cultural atingiu 4 milhões de pessoas participando durante 24 horas, um número recorde, partindo de um público de 600 mil na primeira edição em 2005. Ou seja, em 8 anos multiplicou-se por quase 7 o público, tornando-a um dos projetos culturais mais bem-sucedidos em muitos anos segundo críticos. Em 2012, por exemplo, a Virada ofereceu quase 1.000 atrações gratuitas em dezenas de pontos diferentes, incluindo grandes shows (Gilberto Gil fez o encerramento, homenagens a Elis Regina, bandas internacionais de rock no Palco Júlio Prestes, etc.), peças de teatro de repertório, intervenções de artes visuais, cinema ao ar livre e mesmo gastronomia cultural. A ocupação do centro foi plena – do fim de tarde de sábado até o fim da tarde de domingo – e resgatou o interesse das pessoas pelo Centro Histórico de São Paulo, que ficou lotado e efervescente. A cada ano da gestão Kassab, a Virada incorporou melhorias: ampliação do metrô e ônibus madrugada adentro, instalação de banheiros químicos, forte esquema de policiamento e atendimentos de emergência, além de inclusão de regiões fora do miolo central (em 2010, pela primeira vez CEUs em bairros distantes receberam palcos da Virada). Todo esse desenvolvimento contou com parcerias – SESC e outras instituições culturais ajudaram com conteúdo, e patrocinadores privados contribuíram financeiramente a partir de 2011, aliviando o custo municipal.

A Quebrada Cultural, por sua vez, foi implementada a partir de 2007. Concebida na gestão Kassab, ela realizou 75 edições no total, percorrendo diversas quebradas. Basicamente, quase todos os fins de semana (fora os meses de férias) havia algum evento da Quebrada Cultural acontecendo em alguma subprefeitura – englobando shows de artistas populares (música, dança, teatro de rua) em praças públicas e CEUs, tendas com cinema e brincadeiras infantis, e participação de artistas locais. Por exemplo, uma edição típica da Quebrada levava um palco com artistas regionais à tarde e à noite trazia um show principal de um artista conhecido, atraindo gente da vizinhança que dificilmente iria ao centro. Houve edições temáticas (como “Quebrada do Samba” em regiões sambistas ou “Quebrada do Hip-Hop” em bairros com forte movimento rap). Até 2012, o programa cobriu todas as regiões da cidade, algumas mais de uma vez, garantindo capilaridade.

O CEU é Show começou no segundo semestre de 2010 e intensificou em 2011-2012. A Prefeitura firmou parcerias com produtores culturais para viabilizar que peças teatrais em cartaz no circuito comercial e shows de artistas reconhecidos fizessem apresentações extras nos CEUs, sem custo para a população. Assim, espetáculos que estavam em teatros do centro foram reapresentados em auditórios de CEU, e cantores/bandas conhecidas (da MPB, sertanejo, gospel, etc.) montaram suas estruturas em ginásios de CEU para shows únicos. De 2010 até 2012, 1.600 apresentações foram realizadas pelo programa CEU é Show, um número impressionante, que denota uma média de mais de 50 eventos por mês distribuídos na rede de 45 CEUs. Moradores “dos bairros mais pobres e distantes também podiam ver apresentações dos grandes nomes da música e do teatro” graças a esse programa.

Além desses, vale mencionar que a Prefeitura apoiou eventos de nicho como a Virada Cultural Paulista (um desdobramento da Virada organizado pelo Governo do Estado no interior – Kassab cedeu a expertise paulistana e artistas para cidades menores), e manteve a tradição do Revelando São Paulo (festival de culturas tradicionais do estado) na capital em parceria com o Estado, durante todos os anos, inclusive ampliando o espaço no Parque do Trote em 2012. Outro grande evento fortalecido foi a Bienal Internacional do Livro (em 2010 e 2012, no Anhembi) onde a Prefeitura colaborou na programação cultural paralela, garantindo ônibus gratuitos para estudantes e distribuição de ingressos. Em síntese, houve um ecossistema de eventos que a Prefeitura fomentou, sendo a Virada e seus derivados os carros-chefes.

Dados de alcance: A Virada Cultural atingiu patamares recorde sob Kassab: 4 milhões de participantes em 2012, consolidando-se como o maior evento cultural gratuito do país até então. Durante essa gestão, estima-se que acumuladamente mais de 15 milhões de participações ocorreram nas diversas Viradas (soma das edições anuais). A programação diversificada chegou a quase mil atrações e envolveu cerca de 15 mil artistas e técnicos a cada edição, entre grandes nomes e artistas anônimos – um gigante esforço de produção. A Quebrada Cultural, com 75 edições, alcançou dezenas de milhares de pessoas em cada evento somando ao longo dos anos cerca de 1,5 milhão de participantes (considerando público médio de 20 mil por edição, variando conforme o bairro). O CEU é Show, com 1.600 apresentações em 45 CEUs, levou cultura a praticamente todos os CEUs várias vezes, atingindo um público somado estimado também na casa do milhão (cada show podia ter de 200 a 1000 espectadores, dependendo do espaço e atração). São números grandiosos que sinalizam a massificação do acesso.

Impactos imediatos: A Virada Cultural transformou a relação do paulistano com sua cidade. Durante aquelas 24 horas anuais, o Centro de São Paulo se enchia de vida, 24h por dia – pessoas de todas as idades e classes sociais circulando de madrugada para assistir desde concertos de orquestra até shows de rock pesado. Esse fenômeno quebrou preconceitos e medos em relação ao centro e à noite paulistana. Muitas pessoas foram pela primeira vez ao centro histórico por causa da Virada e passaram a frequentá-lo mais depois. Além disso, a Virada internalizou-se na agenda cultural da cidade: tornou-se um evento identitário de São Paulo, esperado ansiosamente a cada ano. Imediatamente, gerou também impacto econômico positivo – hotéis no centro passaram a ter alta ocupação no fim de semana da Virada, e bares e restaurantes 24h faturaram alto (segundo a SPTuris, a Virada injetava milhões de reais na economia local). Culturalmente, permitiu que o público tivesse contato gratuito com artistas consagrados e com propostas artísticas inusitadas (por exemplo, ver filmes clássicos numa tela ao ar livre de madrugada, assistir a uma peça de teatro às 3h da manhã ou a um show de música experimental na rua). Essa democratização da fruição cultural expandiu horizontes do público.

Já a Quebrada Cultural trouxe benefícios mais localizados mas não menos importantes: cada edição, ao levar um show de qualidade a um bairro, promovia convívio comunitário, ocupação positiva de espaços públicos locais e difusão cultural onde normalmente não havia. Muitos moradores relataram a alegria de ver um artista famoso cantar na sua quebrada, algo que gera senso de inclusão. Além disso, a Quebrada Cultural sempre integrava artistas do próprio bairro na programação, dando-lhes visibilidade e valorizando a produção local. Esse intercâmbio entre artistas de fora e da casa também foi frutífero – surgiram conexões e inspirações mútuas. Em vários bairros, esses eventos foram os primeiros de grande porte em anos, mostrando que era possível organizar atividades culturais ali. Em termos de legado imediato, comunidades passaram a demandar mais programações regulares depois de experimentar a Quebrada Cultural.

O CEU é Show teve impacto direto nas periferias ao encurtar distâncias culturais. Pessoas que nunca tinham ido a um teatro no centro puderam ver, no auditório do CEU do seu bairro, uma peça com atores globais, ou assistir a um concerto de piano, ou rir com uma peça de comédia stand-up. Isso ampliou repertório cultural desse público e, importante, gerou pertencimento – a mensagem era: “Nosso bairro também merece e recebe cultura de alta qualidade”. Muitas apresentações lotaram os CEUs, mostrando a sede por entretenimento desses moradores. E para os artistas, foi uma experiência transformadora também: muitos relataram nas mídias que se apresentar num CEU para um público caloroso e diverso foi tão gratificante quanto nos palcos tradicionais, quebrando barreiras simbólicas entre o centro e a periferia.

Legados e continuidade: O principal legado em eventos foi a institucionalização da Virada Cultural e a consagração de São Paulo como cidade que realiza grandes festivais urbanos gratuitos. Mesmo com problemas pontuais em algumas edições (segurança, limpeza, etc.), a Virada nunca mais deixou de acontecer – as gestões posteriores mantiveram o evento, que se tornou política de Estado, e até outras capitais (Rio, Belo Horizonte, etc.) tentaram replicar em escala menor. A Virada Cultural de São Paulo, até o presente, continua a ser realizada anualmente (exceto interrupções por força maior, como pandemia), carregando o legado daquela expansão do período Kassab – inclusive, muitos consideram que o formato que ele consolidou, com grande diversidade de atrações e ocupando o centro expandido, foi o auge do evento.

Quanto à democratização geográfica, as sementes plantadas pela Quebrada Cultural e pelo CEU é Show evoluíram em novas políticas na gestão seguinte. Em 2013-2016, a prefeitura substituiu esses programas pelo Circuito São Paulo de Cultura, que na prática unificou a ideia: levou programação profissional contínua aos centros culturais de bairro, CEUs e praças, durante o ano todo. Esse Circuito foi claramente inspirado no sucesso do CEU é Show e da descentralização promovida anteriormente. Ou seja, Kassab mostrou que havia público e viabilidade para eventos nas periferias, e isso foi incorporado como política permanente depois – um legado conceitual. Alguns CEUs inclusive mantiveram parcerias locais para continuar recebendo shows mesmo após o programa formal acabar, dada a demanda criada.

Em suma, Kassab deixou como legado uma cidade mais acostumada a vivenciar cultura nas ruas e em escala massiva. A noção de que cultura é direito de todos ganhou forma nesses eventos populares e permaneceu no imaginário. Muitos jovens das periferias, por terem tido acesso a shows e peças através do CEU é Show ou da Quebrada Cultural, sentiram-se motivados a consumir e fazer cultura continuamente. O efeito multiplicador – seja em orgulho local, seja em ampliação de repertório – perdura. A cidade, que “gostou e adotou” a Virada Cultural, também adotou a ideia de que 24 horas de cultura, de graça, para todos e em todos os lugares, é algo possível e parte do seu calendário. Esse talvez seja um dos legados intangíveis mais fortes: a democratização festiva da cultura.

Incentivo à Arte Urbana e Valorização das Culturas Periféricas

Contexto e necessidade: São Paulo é internacionalmente conhecida pela sua arte urbana (especialmente o grafite) e pela efervescência cultural das periferias (como o hip-hop). Entretanto, a relação do poder público com essas manifestações sempre foi complexa. Ao mesmo tempo, havia forte demanda da sociedade por reconhecimento do grafite como expressão artística legítima e pelo fim da criminalização genérica da arte urbana. Nas periferias, movimentos culturais de base (saraus, slam poetry, break, funk) clamavam por apoio e por espaços de expressão. A necessidade que se apresentava era adequar as políticas públicas para incentivar a arte urbana em vez de reprimi-la, canalizando-a para projetos positivos, e valorizar a cultura periférica como parte importante da identidade da cidade, apoiando suas linguagens (rap, graffiti, samba de raiz, literatura marginal etc.) e dando voz a esses produtores culturais.

Origem do problema: Historicamente, a arte de rua (grafite e pichação) era tratada apenas como caso de polícia, e a cultura das periferias ficava à margem das instituições culturais. Isso evidenciou que era preciso diferenciar pichação vandalismo de grafite arte e encontrar uma forma de convivência entre a cidade limpa de poluição e a cidade colorida pela arte urbana. Por outro lado, os saraus de poesia das periferias e bailes de rap ocorriam sem apoio, muitas vezes em espaços improvisados, e havia demanda para que a Secretaria de Cultura os enxergasse e legitimasse. A origem do empenho subsequente foi, portanto, a necessidade de corrigir rumos e reconhecer os movimentos culturais espontâneos da periferia, integrando-os às políticas.

Concepção da solução: Kassab, anunciou que a prefeitura cadastraria pontos na cidade onde grafiteiros poderiam exibir sua arte livremente, criando “muros autorizados”. Em seguida, passou à ação positiva: convidou formalmente os mesmos artistas cujo mural fora apagado para pintarem novamente na Avenida 23 de Maio. Assim, em 2009, a cidade lançou o projeto Muro das Memórias, com o muralista Eduardo Kobra, que pintou um imenso painel histórico preto-e-branco de 1.000 m² sob o viaduto Tutoia (Av. 23 de Maio) em homenagem aos 455 anos de São Paulo. Kassab e o secretário Andrea Matarazzo estiveram pessoalmente na obra, dando aval institucional e declarando que “São Paulo está agora valorizando espaços de murais na cidade… cedendo um espaço enorme… para uma manifestação artística”. Esse gesto simbólico marcou a virada de postura: de adversária, a prefeitura passou a se colocar como parceira do grafite. Além desse mural, outros murais de grande escala foram incentivados, inclusive a repintura de outro trecho da 23 de Maio pelos OsGêmeos e colaboradores. A concepção evoluiu para criar projetos permanentes: por exemplo, em 2011 articulou-se o Museu Aberto de Arte Urbana (MAAU), na Zona Norte, aproveitando 66 pilares da linha elevada do metrô entre as estações Santana e Tietê. Esse projeto foi concebido em parceria com grafiteiros e a Secretaria de Estado da Cultura e SPUrbanismo (empresa municipal), legalizando a pintura dos pilares com curadoria dos próprios artistas, tornando-se provavelmente o primeiro museu a céu aberto de grafite no mundo. Em resumo, a solução encontrada foi incorporar o grafite ao patrimônio cultural da cidade, criando espaços e projetos oficiais para ele, e ajustar a legislação/portarias para que o grafite autorizado não fosse mais removido.

No que tange às culturas periféricas (além do grafite, que também é periférico), a gestão as contemplou via programas já descritos: VAI financiando coletivos de hip-hop, Quebrada Cultural levando batalhas de break e shows de rap aos bairros, Virada Cultural incluindo palcos de hip-hop e de reggae em áreas centrais com grande público jovem. Além disso, institucionalmente, foram criados conselhos e instâncias de participação que davam voz a esses segmentos – por exemplo, a Conferência Municipal de Cultura de 2009 teve forte presença de representantes de culturas populares e periféricas, influenciando as diretrizes do setor. Houve também iniciativas legislativas como a Lei 14.485/2007, que incluiu no Calendário Oficial eventos da cultura hip-hop, e projetos para reconhecer o funk como manifestação cultural, apoiados pelo governo local.

Desenvolvimento e execução: Após o episódio de 2008, Kassab em 2009 já havia autorizado vários grandes murais. O mural de Kobra na 23 de Maio foi finalizado em janeiro de 2009 e se tornou o maior painel comemorativo da cidade até então, atraindo muita atenção midiática positiva. Em seguida, outros painéis de Kobra e de grafiteiros famosos surgiram com aval oficial em diversos pontos (como nas laterais de prédios no centro, por meio de projetos do Governo do Estado em parceria com a prefeitura, como o Arte Urbana no Programa Nova Luz). A repressão à pichação persistiu, mas houve distinção explícita: grafites de valor artístico passaram a ser preservados e até restaurados se vandalizados, enquanto se mantinha firme apenas a coibição a pichações de degradação. Para consolidar essa política, a prefeitura, junto com a Câmara Municipal, elaborou uma lei anti-pichação mais rigorosa (Lei 14.223/07 complementada por decreto em 2009), elevando multas a pichadores, porém isentando os grafites artísticos autorizados – clarificando a diferença legal.

O caso do Museu Aberto de Arte Urbana (MAAU) é emblemático do desenvolvimento colaborativo: surgiu depois que 11 grafiteiros foram presos em abril de 2011 por pintarem sem autorização os pilares do metrô na Zona Norte. Na delegacia, esses artistas (liderados por Binho Ribeiro) rascunharam a ideia de um “museu aberto” e apresentaram às autoridades. Em poucos meses, com apoio do Estado (que administrava o metrô) e da Prefeitura (por meio da SPUrbanismo), o projeto foi aprovado e concretizado. Em setembro de 2011, 58 artistas intervieram nos 66 painéis do MAAU, usando 3 mil latas de spray e 40 latas de tinta látex para cobrir 1,5 km de extensão. Temas variados foram pintados – de natureza a periferia – e a ideia foi fazer rotatividade anual das obras. A Secretaria de Estado da Cultura forneceu tintas e a manutenção foi combinada entre Metrô e Prefeitura. Assim, transformou-se um antes local degradado (canteiro sob trilhos) em uma galeria vibrante, e de forma institucionalizada.

Paralelamente, a Secretaria Municipal de Cultura passou a incluir mais a cultura de rua em seus eventos. A Virada Cultural durante Kassab teve, por exemplo, o Palco Hip Hop na Av. São João em várias edições, trazendo rappers famosos e batalhas de break – o que atraía a juventude e legitimava o hip-hop no coração do evento. Em 2012, houve até a Arena Skate com grafite ao vivo. A Quebrada Cultural frequentemente focava em culturas urbanas: edições no Capão Redondo ou Itaquera priorizavam rap e funk locais. O VAI, por sua vez, financiou dezenas de projetos de grafite (oficinas para jovens aprenderem muralismo legalmente), bem como fanzines de literatura marginal, eventos de saraus e outras expressões de quebrada.

Outro passo institucional relevante foi a criação de marcos legais de reconhecimento cultural: em 2007, São Paulo instituiu 21 de novembro como o Dia do Hip Hop municipal (Lei 14.485), e em 2009 foi criado o Programa para Valorização do Hip Hop dentro da Coordenadoria da Juventude. Isso ocorreu sob Kassab e sinalizou a valorização dessas culturas antes marginalizadas.

Dados de alcance: Durante a gestão, estima-se que mais de 300 murais de grafite de médio e grande porte foram realizados com autorização ou apoio da prefeitura, seja via projetos específicos ou via flexibilização da lei Cidade Limpa. Só o MAAU abrange 66 painéis (de 4m de altura) pintados e repintados periodicamente. O grande mural de Kobra (1000 m²) e o painel dos OsGêmeos e Nunca (740 m²) na 23 de Maio figuraram entre os maiores do mundo à época. Em termos de investimento, as ações de grafite custaram relativamente pouco – o MAAU, por exemplo, teve custo principalmente de tintas e andaimes fornecidos pelo Metrô e Sec. de Cultura estadual, e os artistas não cobraram cachê, fazendo voluntariamente para legitimar seu trabalho. Ou seja, com baixa despesa a cidade conseguiu alta visibilidade.

No tocante à participação periférica, o envolvimento de coletivos culturais nos programas (VAI, eventos) cresceu muito. A Prefeitura mapeou dezenas de saraus e grupos de hip-hop que foram integrados. Por exemplo, o número de projetos de linguagens periféricas aprovados no VAI representava cerca de 40% do total anual, mostrando forte acesso. A Conferência de Cultura de 2009 teve pela primeira vez uma representação significativa de jovens da periferia (incentivados pela mobilização do VAI e movimentos sociais), contribuindo com 28 propostas no manifesto “Por uma política do livro e leitura” citado em 2012, onde criticavam o “vazio cultural das periferias” e demandavam mais atenção – boa parte dessas reinvindicações já vinha sendo atendida pelas ações descritas, mas serviram para consolidar diretrizes futuras (como a criação, depois, de bibliotecas temáticas de cultura negra e iniciativas de leitura nos bairros).

Impactos imediatos: O principal impacto foi a mudança de paradigma na relação com a arte urbana. Os grafiteiros paulistanos, que antes se sentiam adversários da prefeitura, passaram a colaborar e ocupar espaços legalmente. O mural pintado pelos OsGêmeos e outros na 23 de Maio (uma segunda versão após o apagamento inicial) virou ponto turístico por anos, com pessoas parando para tirar fotos. O mural de Kobra também se tornou icônico, e motivou o artista a depois realizar muitos outros pela cidade (até hoje Kobra é celebrado, tendo começado ali a parceria com o município). A iniciativa do MAAU, por sua vez, foi celebrada internacionalmente – São Paulo ganhou fama renovada como “capital mundial do grafite” e exemplo de como integrar arte de rua ao cenário urbano. Os próprios artistas, empoderados, passaram a buscar mais diálogo com autoridades em vez de atuar totalmente à revelia, pois viam abertura. Tudo isso ajudou a diminuir a tensão entre juventude e poder público no tema grafite. Claro, a pichação ilegal continuou a ser combatida, mas agora isolada da questão do grafite. Em bairros como Cambuci e Vila Madalena, a prefeitura apoiou eventos de street art (encontros de grafite) e preservou becos grafitados, o que antes não ocorria – efeito direto dessa mudança de 2008-2009.

Para a cultura periférica como um todo, o período Kassab foi importante por dar visibilidade institucional. Ao ver seus artistas e expressões incluídos na Virada Cultural e projetos oficiais, houve um sentimento de legitimação. Os saraus de literatura marginal, por exemplo, ganharam pauta na imprensa e apoio de centros culturais. O hip-hop expandiu seu público e seu alcance geográfico: em 2008 aconteceu o Encontro Mundial de Hip Hop em São Paulo com apoio municipal, reforçando essa cena. Também, com o VAI fortalecendo coletivos, muitos desses grupos cresceram e formalizaram-se (alguns viraram ONGs ou pontos de cultura). Em 2012, quando houve forte debate sobre o legado cultural, a presença das vozes periféricas já era notória – inclusive nas eleições municipais daquele ano, a candidata a vice-prefeita Nádia Campeão (da coligação de oposição) chegou a participar de um ato em frente à Biblioteca Mário de Andrade criticando supostos desmontes, mas reconhecendo a urgência de políticas para “que os bairros periféricos se tornem locais de cultura”. Ou seja, mesmo na crítica política, admitia-se a centralidade de levar cultura às periferias – um consenso que, em parte, se formou porque as ações de 2006-2012 colocaram o tema em destaque.

Legados e continuidade: O incentivo à arte urbana inaugurado na gestão Kassab se consolidou nos anos seguintes. Em 2013, a nova gestão lançou o programa “Arte na Cidade” que investiu ainda mais em murais – claramente apoiado pelo precedente positivo. Ironicamente, em 2017 houve outro revés quando a prefeitura daquela gestão repintou de cinza a 23 de Maio (apagando os grafites do MAAU), o que gerou enorme reação contrária da população e obrigou a gestão a recuar e promover novos grafites no mesmo local meses depois. Esse episódio mostrou que o legado da arte urbana era querido pelo público e havia se tornado parte da identidade visual da cidade; apagar não seria mais aceito sem contestação. Assim, mesmo com idas e vindas, hoje São Paulo tem políticas permanentes pro-grafite – em 2019 foi aprovado um Plano Municipal de Grafite, e há editais regulares para murais, tudo derivado dessa virada iniciada em 2009. O MAAU continua ativo e se reinventando (foi revitalizado e ampliado em parcerias recentes), e outros museus abertos surgiram (o Museu de Grafite da 23 de Maio, criado em 2019, mas temporário, por exemplo).

O legado na valorização da cultura periférica também é visível. Muitos artistas revelados ou apoiados naquele período hoje são referências (escritores como Sérgio Vaz, rappers como Emicida – cujo primeiro grande show gratuito foi na Virada 2010 –, slammers campeões mundiais etc.). A Secretaria Municipal de Cultura incorporou de vez a pauta: na última década, aumentaram os editais específicos para culturas negras, periféricas, LGBTQ+, entre outros, construindo sobre a ideia de inclusão cultural que ganhou corpo em 2006-2012. A cidade implementou seu Plano Municipal de Cultura em 2016 com forte eixo de democratização e descentralização, muito do qual já vinha sendo experimentado.

Em síntese, a gestão Kassab, diante de um começo conturbado (no caso do grafite) soube reorientar a política cultural para uma perspectiva inclusiva. Ao final de 2012, São Paulo tinha mais cores nos muros e mais vozes das quebradas ecoando nos espaços institucionais. Esse talvez seja um dos legados intangíveis mas fundamentais: a noção de que a cultura de São Paulo não é apenas a erudita do centro, mas também a urbana, de rua, das periferias, todas tendo direito de existir e serem apoiadas. Hoje, essa visão parece natural, mas foi necessário construir – e a gestão Kassab contribuiu significativamente para essa construção.

Marcos Regulatórios e Parcerias Intergovernamentais no Setor Cultural

Contexto e necessidade: Por fim, é importante situar as realizações culturais da gestão Kassab também no âmbito dos marcos legais e das parcerias institucionais que as viabilizaram e lhes deram sustentação. Entre 2006 e 2012, houve avanço na articulação da Prefeitura com outras esferas de governo (Estado e União) e com a iniciativa privada para potencializar recursos culturais – uma necessidade diante das limitações orçamentárias municipais. Além disso, foi um período em que se estruturaram bases para planejamento de longo prazo no setor, seguindo diretrizes do recém-criado Ministério da Cultura (o MinC implementou o Sistema Nacional de Cultura e convocou municípios a elaborarem seus planos). A necessidade era, portanto, integrar São Paulo ao Sistema Nacional de Cultura, atualizar leis municipais e captar parcerias e patrocínios para ampliar o alcance das políticas culturais.

Origem do problema: São Paulo não tinha, até então, um Plano Municipal de Cultura nem um Conselho forte que norteasse políticas a longo prazo – as ações dependiam muito de cada gestão. E muitos projetos culturais de grande porte necessitavam de aporte extra. Por exemplo, restauros de patrimônio muitas vezes requerem recursos federais (via IPHAN ou BNDES); grandes eventos se beneficiam de patrocínio privado; museus novos podem contar com leis de incentivo fiscal. Havia, então, a origem na falta de marcos consolidados (como fundos de cultura robustos) e a necessidade de otimizar recursos pela via de cooperação.

Concepção e desenvolvimento das soluções: Durante a gestão Kassab, São Paulo aderiu ao Sistema Nacional de Cultura e realizou sucessivas Conferências Municipais de Cultura (2007, 2009, 2011) que envolveram a sociedade civil na discussão de diretrizes. Em julho de 2012, Kassab enviou à Câmara Municipal o projeto do primeiro Plano Municipal de Cultura, fruto dessas conferências, estabelecendo metas decenais para o setor (embora esse plano só tenha sido efetivamente debatido e aprovado em 2016 na gestão seguinte). Ainda assim, a iniciativa de propor um plano foi um marco regulatório importante deixado por Kassab. Nesse período também foram criados conselhos regionais de cultura vinculados às subprefeituras, ampliando a participação social.

No campo legislativo, Kassab sancionou leis relevantes: a já mencionada Lei de Fomento à Dança (Lei nº 14.071/2005) foi regulamentada e posta em prática sob sua gestão; a Lei Cidade Limpa (Lei nº 14.223/2006) – embora não cultural em si – teve impactos estéticos na cidade e dialogou depois com as políticas de grafite autorizando exceções artísticas. Em 2011, foi aprovada a Lei Municipal de Incentivo à Cultura (PRO-MAC) no fim do mandato (iniciativa do Executivo enviada à Câmara), criando um sistema de incentivos fiscais para projetos culturais na cidade similar à Lei Rouanet. Porém, sua implementação só ocorreu em 2013. Mesmo assim, Kassab plantou essa base legal que hoje está em vigor e permite empresas abaterem do ISS e IPTU valores aplicados em cultura. Outro marco foi a atualização da Lei do Vallet (de apoio a escolas de samba e carnaval de rua) e o tombamento de diversos bens culturais via CONPRESP, reforçando a preservação patrimonial.

No que tange a parcerias intergovernamentais, a gestão Kassab foi hábil em capturar recursos do Ministério da Cultura para vários projetos: por exemplo, o Museu do Futebol teve patrocínio da Petrobras via Lei Rouanet (federal); a reforma da Mário de Andrade contou com verba do Ministério das Cidades para restauro de patrimônio; o Programa Pontos de Cultura do MinC teve 85 pontos conveniados em São Paulo durante 2009-2012, muitos integrados às ações municipais. Com o Governo do Estado, houve cooperação mútua: a Secretaria de Estado da Cultura cedeu exposições para espaços municipais (como a itinerância da Pinacoteca para CEUs), integrou equipamentos como a Sala São Paulo e o Theatro Municipal em programações conjuntas (Festival de Inverno de Campos do Jordão teve etapa na capital, etc.), e uniu esforços em Heliópolis (o Instituto Baccarelli teve apoio estadual e municipal simultâneo). Além disso, Kassab manteve bom diálogo com o então governador (José Serra até 2010, depois Geraldo Alckmin), o que facilitou parcerias como a Virada Cultural Paulista (São Paulo capital cedia know-how, e em troca o Estado apoiava a Virada paulistana com policiamento extra e atrações bancadas pelo ProAC estadual).

Com a iniciativa privada, a gestão intensificou a captação de patrocínio: a Virada Cultural a partir de 2011 teve patrocinadores oficiais que ajudaram nos custos (bancos e empresas de energia, por exemplo). O Museu do Futebol, como citado, só foi viável com ampla parceria público-privada. Projetos como a restauração do Theatro Municipal contaram com aportes do BNDES e lei de incentivo. Enfim, institucionalizou-se a prática do mecenato municipal, o que foi um legado no modus operandi.

Impactos e legado das parcerias e marcos: Essas medidas regulatórias criaram bases para a continuidade e sustentabilidade das políticas. A elaboração do Plano Municipal de Cultura, ainda que aprovado depois, nasceu desse período e serviu para que a gestão seguinte já tivesse material para trabalhar – de fato, o Plano aprovado em 2016 menciona e dá seguimento a muitas das ações iniciadas em 2006-2012, sinal do alinhamento. A adesão ao Sistema Nacional de Cultura possibilitou que São Paulo acessasse mais fundos federais e estivesse integrada às políticas nacionais (por exemplo, recebendo recursos do Programa Cultura Viva e editais regionais).

A parceria público-privada no Museu do Futebol virou um case repetido: posteriormente, outros museus municipais como o Museu da Cidade e o futuro Museu do Carnaval adotaram modelo de gestão semelhante com OSs e patrocínios, influenciados pelo êxito do Museu do Futebol que se tornou sustentável. O PRO-MAC criado no final de 2012 é hoje uma das principais fontes de financiamento de projetos culturais em São Paulo, tendo incentivado centenas de projetos desde sua regulamentação – um claro legado normativo da gestão Kassab, ainda que implementado depois.

Em suma, nos bastidores legais e institucionais, Kassab deixou a estrutura montada para que a cultura avançasse sem solavancos: leis de fomento asseguradas, incentivo fiscal encaminhado, órgãos participativos ativados e parcerias estabelecidas. Isso conferiu maior resiliência às políticas culturais de São Paulo, beneficiando diretamente as gestões seguintes, que puderam construir em cima de alicerces já fincados.

Conclusão: As realizações da gestão Gilberto Kassab (2006-2012) na área cultural foram abrangentes e estruturantes. Desde a recuperação de importantes equipamentos históricos (como o maior restauro do Theatro Municipal em 100 anos, a modernização de 41 bibliotecas e 8 teatros, e a reabertura da Biblioteca Mário de Andrade após 50 anos sem reformas), passando pela implantação de novos marcos culturais (Praça das Artes, Museu do Futebol, Centro de Memória do Circo, centros culturais em CEUs), pela ampliação inédita do acesso cultural nas periferias (com 105 bibliotecas públicas em 2012 vs 77 em 2004, 56 teatros públicos vs 30 em 2004, bibliotecas temáticas e ônibus expandindo leitura a 120 mil usuários/ano), até a democratização de eventos que mobilizaram milhões (Virada Cultural atingindo seu recorde histórico de públicoe se espalhando por toda a cidade), e o estímulo direto à produção cultural (com financiamento a centenas de projetos de base via VAIe institucionalização de fomentos a teatro, dança, cinema), além da mudança de atitude em relação à cultura de rua e periférica – todo esse conjunto de ações compôs um legado significativo. Muitas vezes, os números atingidos foram os maiores da história até então em seus indicadores (por exemplo, maior número de bibliotecas inauguradas numa gestão, maior investimento em eventos gratuitos, maior público em um evento cultural etc.), mostrando o salto qualitativo e quantitativo ocorrido.

Importante destacar que a maioria dessas iniciativas teve continuidade ou eco em gestões posteriores, configurando verdadeiros legados. A Virada Cultural, as bibliotecas temáticas, o VAI, os fomentos, o PIÁ, a Praça das Artes, o Museu do Futebol – tudo isso permaneceu e influenciou políticas seguintes, comprovando o acerto da estratégia de Kassab de pensar a cultura de forma descentralizada, inclusiva e permanente. Sua gestão, situada num momento de forte crescimento econômico do país, aproveitou para institucionalizar políticas culturais que tornaram São Paulo uma cidade culturalmente mais vibrante e acessível. Assim, ao final de 2012, São Paulo contava com uma infraestrutura cultural renovada e ampliada, uma programação plural que ia do centro às bordas, e mecanismos de apoio à criação fortalecidos – um panorama bem mais favorável do que no início de 2006, e que solidificou a posição da cidade como capital cultural do Brasil.