Ícone de carregamento
Carregando...

Acessibilidade e Inclusão

Realizações da Gestão Kassab (2006–2012)

Período foi marcado por significativos avanços em acessibilidade urbana e inclusão de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

acoes-gk | 09 junho 2025

Realizações da Gestão Kassab (2006–2012) em Acessibilidade e Inclusão

FacebookTwitterWhatsApp

Introdução e Contexto Geral

A gestão do prefeito Gilberto Kassab em São Paulo marcou um período de significativos avanços em acessibilidade urbana e inclusão de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. No início desse período, São Paulo enfrentava desafios históricos: calçadas irregulares e pouco acessíveis, transporte público em grande parte inacessível e serviços municipais despreparados para atender cidadãos com deficiência. Essa realidade refletia a falta de políticas robustas no passado – até 2004 menos de 2% da frota de ônibus paulistana era acessível e praticamente não havia padronização de calçadas adaptadas na cidade. Diante desse contexto, a administração Kassab implementou um conjunto abrangente de iniciativas pioneiras e integradas, muitas vezes em parceria com os governos estadual, federal e entidades especializadas, visando eliminar barreiras arquitetônicas e promover a inclusão social. A seguir, este texto analisa em capítulos temáticos as principais realizações dessa gestão em prol da acessibilidade, desde reformas urbanas e mobilidade até saúde, educação e emprego, abordando o contexto que motivou cada iniciativa, sua concepção e execução, dados quantitativos e normativos relevantes, bem como os impactos observados e seu legado posterior.

Marco Institucional e Planejamento em Acessibilidade

Uma das primeiras medidas estruturantes foi institucionalizar a pauta da pessoa com deficiência na Prefeitura. Em 2005, no início da administração Serra/Kassab, São Paulo criou pela primeira vez uma secretaria específica para esse público – a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED) –, tornando-se pioneira no Brasil ao dedicar um órgão exclusivo à promoção da inclusão. A formalização da SMPED consolidou a temática na estrutura de governo, com a missão de articular políticas intersetoriais e promover a transformação social necessária para a inclusão das pessoas com deficiência na cidade. Essa secretaria especial, inicialmente conduzida pela ativista Mara Gabrilli e posteriormente por outros gestores, atuou em parceria com as demais pastas e Subprefeituras para implementar projetos de acessibilidade em larga escala. Também fortaleceu instâncias participativas como o Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (CMPD) e a Comissão Permanente de Acessibilidade, assegurando a representação da sociedade civil e o cumprimento das normas técnicas de acessibilidade nas ações municipais.

Um avanço importante em planejamento foi a realização do Censo-Inclusão, o primeiro censo municipal da história de São Paulo voltado a mapear a população com deficiência. Iniciado em 2012, último ano da gestão Kassab, esse levantamento pioneiro buscou identificar todas as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida residentes no município, gerando uma base de dados abrangente para embasar políticas públicas futuras. Pela primeira vez, São Paulo dispunha de informações detalhadas sobre distribuição geográfica, tipos de deficiência e necessidades específicas dessa parcela da população, preenchendo uma lacuna de dados não contemplada adequadamente pelos censos gerais. Embora seus resultados completos tenham sido consolidados após 2012, o Censo-Inclusão representou um legado importante dessa gestão, permitindo que planos e investimentos subsequentes fossem direcionados de forma mais precisa e eficaz.

Outra contribuição normativa fundamental veio na padronização da acessibilidade nas calçadas e edificações. Ainda em 2005, a Prefeitura editou um decreto pioneiro estabelecendo regras técnicas de construção e manutenção de calçadas, definindo parâmetros como tipos de piso, largura mínima da faixa livre, inclinação adequada e instalação de rampas e piso tátil. São Paulo foi a primeira cidade brasileira a adotar políticas públicas específicas para calçadas, antecipando em anos um debate que só depois ganharia força nacionalmente. Conforme destaca Ronaldo Camargo, então secretário de Subprefeituras, a cidade trabalhou a questão da acessibilidade “muito antes de ela se tornar um tema corrente”, criando parâmetros que influenciaram a evolução da legislação brasileira. Esse marco normativo foi complementado pela criação da Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA), encarregada de avaliar projetos arquitetônicos e urbanísticos sob a ótica da acessibilidade, e pela elaboração de cartilhas e manuais técnicos para orientar tanto agentes públicos quanto cidadãos sobre construção de calçadas acessíveis. Tais medidas preparatórias estabeleceram as bases técnicas e legais para as ações concretas de melhoria da acessibilidade que se seguiram nos anos seguintes.

Infraestrutura Urbana Acessível: Calçadas, Espaços Públicos e Edificações

No eixo da infraestrutura urbana, a gestão Kassab empreendeu um amplo esforço para eliminar barreiras físicas em calçadas, praças, parques e prédios públicos. Calçadas acessíveis tornaram-se prioridade, reconhecendo-se que a calçada é o primeiro contato diário do cidadão com a cidade e um indicador importante de qualidade de vida urbana. Historicamente, os passeios públicos paulistanos eram marcados por falta de padronização, buracos e desníveis, tornando penosa – ou mesmo perigosa – a circulação de pedestres, especialmente idosos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Para reverter esse quadro, em 2008 foi lançado o Programa Emergencial de Calçadas (PEC), com o objetivo de aplicar e ampliar as novas regras de acessibilidade em larga escala. Por meio desse programa, a Prefeitura assumiu a responsabilidade pela reforma e manutenção das calçadas em áreas estratégicas da cidade – as chamadas Rotas Estratégicas Estruturais, que compreendem vias com grande fluxo de pedestres e concentração de serviços essenciais como centros comerciais, escolas, postos de saúde e pontos de ônibus. Nesses eixos prioritários, as calçadas foram reconstruídas observando rigorosamente os padrões de acessibilidade: instalação de piso tátil direcional e de alerta para orientação de pessoas com deficiência visual, rampas de acesso rebaixadas nas esquinas e travessias, nivelamento e alargamento da faixa livre de obstáculos, além de novo pavimento antiderrapante e mais durável. Os resultados do Programa de Calçadas foram expressivos em termos de extensão e impacto. Aproximadamente 460 km de calçadas foram adaptadas em toda a cidade durante a gestão Kassab, uma distância equivalente a percorrer de São Paulo até o município de Barretos, no norte do estado. Importantes avenidas e ruas tiveram seus passeios completamente renovados, mudando a paisagem urbana e a experiência do pedestre. Exemplos de vias transformadas incluem a Avenida Paulista, eixo central da cidade, a Rua Teodoro Sampaio em Pinheiros, a Rua Clélia na Lapa, entre muitas outras. Em algumas ruas, houve parceria com o setor privado para requalificação – casos da Rua Avanhandava (região central) e da Rua Oscar Freire (Jardins) – demonstrando um modelo de cooperação em que comerciantes e Prefeitura atuaram juntos na melhoria da acessibilidade local. São Paulo tornou-se, assim, referência nacional em calçadas inclusivas. Além das calçadas, outros espaços públicos e edificações municipais foram alvo de adaptações. A administração Kassab reinaugurou em 2006 o Parque do Trote, na zona norte, concebido como o primeiro parque municipal inteiramente acessível da cidade. Antiga área de hipódromo transformada em parque, o local foi dotado de brinquedos e equipamentos de ginástica adaptados para crianças e adultos com deficiência, caminhos com pisos adequados para cadeiras de rodas, banheiros acessíveis e sinalização em braile, tornando-se um modelo de lazer inclusivo. Na sequência, diversos outros parques e praças receberam melhorias como instalação de rampas de acesso e eliminação de barreiras em seus edifícios de apoio (centros de visitantes, banheiros), visando garantir o lazer universal. Edifícios públicos municipais – incluindo escolas, unidades básicas de saúde e equipamentos culturais – passaram por vistorias de acessibilidade e adequações físicas, muitas em cumprimento ao Decreto Federal nº 5.296/2004 que exigia adaptação das instalações existentes. Essa frente de obras incluiu desde a instalação de elevadores ou plataformas elevatórias em prédios antigos de uso público, até a reserva de vagas de estacionamento para deficientes e idosos e colocação de sinalizações visuais e táteis. Uma ação de destaque foi a demarcação de vagas exclusivas para pessoas com deficiência (DEFIS) nas vias públicas: em 2009, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) implantou 693 vagas especiais de estacionamento rotativo (Zona Azul) distribuídas estrategicamente na cidade, próximas a centros de reabilitação, instituições e pontos de grande circulação de pessoas com deficiência. Essas vagas devidamente sinalizadas facilitaram o acesso de motoristas com dificuldade de locomoção a serviços e equipamentos urbanos, representando uma medida simples porém importante de inclusão no uso do espaço público.

Transporte e Mobilidade Inclusiva

No campo da mobilidade, a gestão Kassab promoveu uma verdadeira transformação para integrar pessoas com deficiência ao sistema de transporte público paulistano. Historicamente, a exclusão era a regra: até meados dos anos 2000, usuários em cadeira de rodas ou com dificuldades motoras enfrentavam uma “aventura desagradável” para usar ônibus urbanos, pois a imensa maioria da frota tinha degraus altos e não dispunha de elevadores ou rampas. Consciente desse desafio, o governo municipal empreendeu uma renovação maciça e acelerada da frota de ônibus, alinhada às diretrizes nacionais de acessibilidade no transporte (que determinavam que 100% dos veículos de transporte público fossem acessíveis até 2014). Entre 2005 e 2011, mais de 12 mil ônibus novos foram incorporados ao sistema, renovando cerca de 80% da frota total e aposentando veículos antigos. Essa substituição em massa privilegiou modelos acessíveis: desde 2009, tornou-se obrigatório que todo ônibus zero quilômetro incluído no sistema viesse equipado com rampa ou elevador para cadeirantes, além de espaços reservados e sinalizados para cadeira de rodas e assentos preferenciais para pessoas com mobilidade reduzida. O resultado foi um salto extraordinário no número de coletivos acessíveis disponíveis à população – de apenas 297 veículos acessíveis em janeiro de 2005 para 7.490 em 2012, correspondendo a quase 50% da frota. Até o final de 2012, o número continuou crescendo e atingiu cerca de 8.801 ônibus acessíveis em circulação, o que representa 58,6% de todos os ônibus da cidade. Em outras palavras, em sete anos São Paulo multiplicou quase 30 vezes a quantidade de ônibus adaptados para usuários com deficiência ou mobilidade reduzida, um progresso notável que fez da capital paulista a cidade com a maior frota acessível do país até então. Cada novo ônibus passou a incorporar também melhorias como sistema de aviso sonoro de parada (auxiliando deficientes visuais), letreiros eletrônicos de fácil leitura e botões de solicitação de parada ao alcance de cadeirantes, tornando o transporte mais amigável a uma variedade de necessidades especiais.

Paralelamente à frota municipal de ônibus, outras modalidades de transporte acessível foram expandidas ou implementadas. O tradicional Serviço Atende, modal de transporte porta-a-porta gratuito voltado a pessoas com deficiência severa, recebeu significativa ampliação de capacidade. A Prefeitura investiu na aquisição de vans acessíveis e na contratação de motoristas, elevando a frota do Atende em cerca de 44% durante a gestão. Em números absolutos, passou-se de aproximadamente 268 vans em 2004 para 388 veículos dedicados em 2012, muitas delas adaptadas com elevadores automotivos e equipamentos de segurança para transportar passageiros em cadeiras de rodas. Esse incremento permitiu uma forte expansão no atendimento: somente no ano de 2012, o Atende realizou cerca de 1 milhão de viagens, transportando quase 100 mil pessoas com alto grau de dependência que, de outra forma, dificilmente conseguiriam se deslocar pela cidade. O serviço – considerado o mais importante modal de mobilidade para pessoas com deficiência em São Paulo – alcançou índices elevados de aprovação pelos usuários, com 97% de satisfação segundo pesquisa de 2012 e nota média 9,4 para a qualidade do atendimento. Durante a gestão Kassab, também foram implantadas melhorias operacionais no Atende, como o agendamento automático de viagens regulares (por exemplo, para tratamentos médicos recorrentes) e a ampliação das modalidades atendidas (incluindo não apenas cadeirantes, mas pessoas com deficiência intelectual ou múltipla de alto grau de dependência acompanhadas por cuidador). Essas inovações aumentaram a eficiência e a inclusão do serviço, cujo legado se manteve nas gestões posteriores.

Outra iniciativa de destaque foi a criação do Programa Táxi Acessível, lançado em 2009 para oferecer uma alternativa complementar de transporte individual às pessoas com deficiência. Por meio desse programa, a Prefeitura emitiu alvarás especiais de táxi destinados prioritariamente a motoristas que operassem veículos adaptados para cadeirantes. Tratavam-se geralmente de vans ou utilitários convertidos, equipados com rampa traseira ou lateral, que podiam ser acionados via chamada telefônica específica. Essa medida inovadora aumentou a oferta de transporte porta-a-porta privado a preços controlados (tarifa de táxi) para usuários em cadeira de rodas, preenchendo uma lacuna até então suprida apenas parcialmente pelo Atende. Em poucos anos, dezenas de táxis acessíveis passaram a circular na cidade identificados com selo especial, proporcionando maior autonomia a pessoas com mobilidade reduzida em deslocamentos emergenciais ou de curto prazo, sem necessidade de agendamento prévio. Embora o número de veículos tenha sido modesto frente à frota total de táxis, o programa representou a maior iniciativa desse tipo no Brasil naquele momento e serviu de modelo para outras metrópoles.

Por fim, no contexto da mobilidade urbana inclusiva, a Prefeitura dedicou atenção à acessibilidade nos terminais de ônibus e no sistema viário. Em 2009, dez terminais de ônibus municipais passaram por reformas abrangentes para se tornarem totalmente acessíveis, incluindo obras de instalação de elevadores, rampas, banheiros adaptados e sinalização especial nos terminais Vila Prudente, João Dias, Aricanduva, Guarapiranga, Cidade Tiradentes, Casa Verde, Parelheiros, Varginha, Amaral Gurgel e Princesa Isabel. Essas obras, realizadas com investimento de aproximadamente R$ 1,5 milhão, garantiram que os principais pontos de embarque/desembarque da capital fossem adequados a usuários com deficiência, complementando o esforço feito nos veículos. No sistema viário, a Companhia de Engenharia de Tráfego implementou dispositivos sonoros em centenas de semáforos de pedestres, permitindo que pessoas com deficiência visual identificassem com segurança o momento de atravessar. Ademais, programas de treinamento foram oferecidos a motoristas e cobradores de ônibus para sensibilizá-los no atendimento a passageiros com necessidades especiais – uma ação importante diante de queixas frequentes sobre condutores que não param para cadeirantes ou não operam adequadamente as rampas. Em síntese, a gestão Kassab integrou infraestrutura, frota e capacitação humana para construir um sistema de transporte público cada vez mais universal, aproximando São Paulo do ideal de Mobilidade para Todos.

Saúde e Reabilitação: Rede de Cuidados Inclusivos

No campo da saúde, as ações da Prefeitura de São Paulo durante 2006–2012 buscaram garantir que pessoas com deficiência tivessem acesso ampliado a reabilitação, prevenção de agravos e serviços de apoio, muitas vezes em parceria com entidades reconhecidas e alinhadas a políticas nacionais de inclusão. Uma das realizações mais emblemáticas foi a parceria com a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) para a expansão da capacidade de reabilitação física na cidade. Identificando-se uma enorme demanda reprimida – em 2010, cerca de 35 mil pacientes aguardavam na fila por terapias especializadas na AACD, a Prefeitura formalizou, em agosto de 2010, a doação de dois terrenos municipais para a construção de novas unidades da AACD. Essas unidades, erguidas em Santana (zona norte) e em Campo Grande (extremo sul), seguiram um modelo inovador: além de ceder áreas de aproximadamente 5 mil m² cada, a Prefeitura assumiu o custeio da operação dos centros, enquanto a construção física contou com recursos captados pela AACD junto a doadores privados (como via Teleton). Em setembro de 2011, as duas novas unidades de reabilitação foram inauguradas com a presença do prefeito Kassab, adicionando uma capacidade conjunta de 430 atendimentos diários de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e demais serviços de reabilitação física e intelectual. O centro de Santana (Olavo Setubal) passou a atender cerca de 140 pacientes por dia, enquanto a unidade do Campo Grande (Maria Hecilda S. Salgado) atende 290 pessoas/dia. Com esses dois novos polos descentralizados – um na zona norte e outro na sul, evitando que moradores de regiões distantes precisassem se deslocar até a sede tradicional no Ibirapuera –, estimou-se uma redução de 20% na fila de espera da AACD. Em números absolutos, isso representou milhares de crianças e adultos com deficiência física finalmente tendo acesso a próteses, órteses, sessões de reabilitação e acompanhamento multiprofissional antes inacessíveis. O legado dessa iniciativa perdura, com as unidades AACD Norte e Sul integradas à rede SUS municipal, atendendo usuários referenciados pela Secretaria da Saúde e ampliando significativamente a oferta paulistana de reabilitação de alta complexidade.

Simultaneamente, a Prefeitura estruturou uma Rede Municipal de Atenção à Pessoa com Deficiência inserida no âmbito do SUS, ampliando a oferta de serviços descentralizados de habilitação e reabilitação. Em consonância com o Plano Viver sem Limite do governo federal (lançado em 2011) e com a Portaria MS nº 793/2012 que instituiu a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no SUS, São Paulo criou diversos núcleos especializados nas suas unidades de saúde. Até 2012 foram implantados 35 Núcleos de Reabilitação distribuídos em centros de saúde e policlínicas pelo município, voltados a terapias motoras e de reabilitação física em nível básico/intermediário. Além disso, estabeleceu 17 Núcleos Integrados de Saúde Auditiva (NISA) para atender pessoas com deficiência auditiva, ofertando diagnóstico, adaptação de aparelhos e terapias fonoaudiológicas, uma iniciativa alinhada à implantação do teste auditivo neonatal e à necessidade de acompanhamento dos bebês identificados com perda auditiva. Também foram criados 29 Núcleos de Apoio à Inclusão Social da pessoa com deficiência, com foco interdisciplinar para orientar famílias e facilitar o acesso dessa população a serviços de assistência social, cultura, esporte e outras políticas públicas. Esses números refletem a construção rápida de uma infraestrutura antes inexistente: até 2004 praticamente não havia serviços públicos municipais voltados à reabilitação de pessoas com deficiência; após o programa, cada região da cidade passou a contar com pelo menos um núcleo de referência nesse atendimento. Em complemento, a Secretaria Municipal da Saúde firmou convênios com centros de excelência (como Rede Lucy Montoro do Governo do Estado) para encaminhamento de casos de média e alta complexidade, integrando os novos núcleos a uma rede maior de cuidados. Essa estratégia municipal seguiu as diretrizes de descentralização e cuidado integral preconizadas nacionalmente, garantindo que mais pessoas tivessem acesso próximo de casa a terapias de reabilitação contínuas e aumentando a possibilidade de crianças e adultos com deficiência desenvolverem autonomia funcional.

No âmbito da prevenção e detecção precoce, a gestão Kassab implantou procedimentos inéditos na rede municipal. Em 2010, foi introduzida a Triagem Auditiva Neonatal Universal (Teste da Orelhinha) em todas as maternidades municipais e sob gestão municipal. Essa medida assegurou que 100% dos bebês nascidos nos hospitais do município realizassem o teste de audição nos primeiros dias de vida, aumentando as chances de identificar precocemente a deficiência auditiva congênita. O programa foi integrado a um fluxo de acompanhamento: os recém-nascidos com triagem alterada eram referenciados para avaliação diagnóstica e, se necessário, encaminhamento a um dos núcleos de saúde auditiva (NISA) para prótese auditiva e estímulos precoces. Com isso, São Paulo alinhou-se às melhores práticas internacionais e antecipou a obrigatoriedade federal do teste auditivo, evitando atrasos no desenvolvimento de linguagem de centenas de crianças. Ainda na área materno-infantil, o município consolidou a oferta do “Teste do Pezinho” ampliado e de triagens neonatais para outras deficiências (como a visual, por meio do “Teste do Olhinho”), garantindo atenção integral à saúde do bebê e possibilitando intervenções precoces quando alguma deficiência era detectada.

A gestão também inovou em programas de acompanhamento e apoio à pessoa com deficiência no contexto comunitário. Um desses projetos foi o “Acompanhante de Saúde” para pessoas com deficiência intelectual, criado em 2010. Reconhecendo que indivíduos com deficiência intelectual ou transtornos do desenvolvimento grave muitas vezes encontravam dificuldades para acessar serviços de saúde, educação, lazer e trabalho de maneira independente, este programa passou a oferecer cuidadores ou monitores treinados para acompanhá-los em diversas atividades. O acompanhante de saúde auxiliava a pessoa com deficiência intelectual em consultas médicas, exames, matricula escolar ou cursos profissionalizantes, bem como na participação em eventos comunitários e culturais, funcionando como um facilitador de inclusão. Esse serviço – inspirado em práticas de desinstitucionalização e vida independente – visava ampliar a autonomia e participação social de pessoas com deficiência intelectual moderada ou grave, aliviando também as famílias e cuidadores. Embora de difícil mensuração quantitativa, o impacto humano era evidente: relatos de usuários indicando melhora na adesão a tratamentos, mais frequência em atividades de lazer e maior interação social graças ao apoio oferecido. Em conjunto com iniciativas de atenção psicossocial já existentes, o programa ajudou a consolidar uma rede de suporte para pessoas com deficiência não apenas física, mas também intelectual e psicossocial.

Educação Inclusiva e Cultura Acessível

Na área educacional, a Prefeitura de São Paulo empreendeu a que foi considerada, até então, a maior e mais abrangente iniciativa de inclusão escolar do país, denominada Programa Inclui. Lançado em setembro de 2010, esse programa estabeleceu uma nova política de educação inclusiva na rede municipal de ensino, com múltiplos componentes: formação continuada de educadores, adequação da estrutura física das escolas e apoio especializado direto aos alunos com deficiências. O contexto era desafiador – a rede possuía cerca de 15 mil alunos com algum tipo de necessidade especial matriculados em 2012, muitos dos quais antes eram atendidos apenas em escolas ou classes especiais segregadas. A concepção do Programa Inclui partiu do princípio de que, sempre que possível, crianças e jovens com deficiência deveriam estudar junto com os demais colegas nas classes comuns, recebendo os apoios necessários para seu desenvolvimento acadêmico e social. Para viabilizar essa inclusão efetiva, a Secretaria Municipal de Educação implementou diversas ações.

Um dos eixos centrais foi a contratação e treinamento de Auxiliares de Vida Escolar (AVEs) – profissionais dedicados a acompanhar individualmente alunos com deficiências severas durante as atividades escolares. Até o final de 2012, mais de 700 auxiliares já atuavam nas unidades da rede, prestando suporte a estudantes com limitações motoras significativas, transtorno do espectro autista em grau severo, múltiplas deficiências ou outras condições que demandassem ajuda constante. Esses auxiliares auxiliavam em tarefas como locomoção dentro da escola, alimentação, higiene e também no engajamento em sala de aula, sob orientação do professor. Com esse suporte individualizado, dezenas de alunos que antes teriam dificuldade de permanecer na escola comum passaram a conseguir acompanhar as aulas em tempo integral, resultando em benefícios pedagógicos e de convivência. Paralelamente, o Programa Inclui promoveu a formação específica de professores para lidar com necessidades especiais: milhares de docentes da rede municipal receberam capacitação em educação inclusiva, abordando desde práticas pedagógicas diferenciadas até modos de comunicação alternativa (como Libras ou braile) e uso de tecnologias assistivas. As escolas também foram equipadas com Salas de Recursos Multifuncionais, dotadas de materiais e equipamentos especializados – softwares de computador acessíveis, jogos pedagógicos adaptados, impressoras braile, lupas eletrônicas, entre outros – para atendimento educacional especializado no contraturno. Até 2012, praticamente todas as escolas municipais de ensino fundamental já contavam com alguma estrutura de recursos para educação especial, seja por meio das salas multifuncionais ou do suporte volante de equipes especializadas.

Do ponto de vista da infraestrutura física, houve investimento em adaptação das instalações escolares: construção de rampas ou instalação de elevadores/plataformas em escolas de múltiplos andares, adequação de banheiros para uso por alunos cadeirantes, colocação de mapas táteis e sinalização em braile nas escolas com alunos cegos, além de adequação de mobiliário (carteiras acessíveis, por exemplo). A SME mapeou todas as unidades que ainda possuíam barreiras arquitetônicas e, com apoio das Subprefeituras, realizou intervenções para suprimi-las gradativamente. Com isso, dezenas de escolas que antes não podiam receber alunos com deficiência física por falta de acesso passaram a matriculá-los após as obras de acessibilidade. O impacto dessas medidas refletiu-se nos indicadores: ao final de 2012, São Paulo não possuía mais crianças com deficiência em idade escolar fora da escola por falta de vaga ou de apoio especializado – um avanço notável frente a anos anteriores. Além disso, a convivência escolar inclusiva trouxe ganhos intangíveis, promovendo o respeito à diversidade desde a infância e mudando atitudes de uma geração inteira de alunos sem deficiência, agora habituados a estudar lado a lado com colegas com diferentes capacidades.

Na dimensão cultural e de lazer, a gestão Kassab também buscou tornar atividades e equipamentos mais acessíveis e inclusivos. Bibliotecas municipais receberam kits de livros em braile e audiolivros para leitores cegos, e foram criadas algumas “bibliotecas acessíveis” com estrutura completa para deficientes visuais. Centros Culturais e CEUs passaram a oferecer eventos com interpretação em Libras e sessões de cinema com audiodescrição para pessoas com deficiência visual. Um marco importante foi a consolidação anual da Virada Inclusiva, evento comemorativo do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3 de dezembro), realizado em parceria com o Governo do Estado e diversas organizações. A partir de 2010, a Virada Inclusiva passou a integrar o calendário oficial, promovendo simultaneamente em parques, praças e espaços culturais da cidade uma série de atividades adaptadas – shows com tradução em Libras, oficinas esportivas para pessoas com e sem deficiência juntas, exposições sensoriais, etc. Essa mobilização anual foi importante para dar visibilidade à causa da inclusão, celebrando as conquistas e estimulando a participação social das pessoas com deficiência em igualdade de condições.

Emprego, Comunicação e Participação Social

Reconhecendo que a inclusão plena passa também pela inserção econômica e pela cidadania ativa, a gestão Kassab implementou programas voltados à empregabilidade e à comunicação acessível, muitos em sintonia com políticas estaduais e federais. Um destaque foi o Programa Inclusão Eficiente, criado em 2009 para promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Apesar da Lei de Cotas (federal) já obrigar médias e grandes empresas a contratarem um percentual de funcionários com deficiência, havia enorme disparidade entre oferta e preenchimento dessas vagas por falta de qualificação ou dificuldade de intermediar candidatos. O Inclusão Eficiente veio suprir essa lacuna por meio de orientações profissionalizantes e encaminhamento direto de candidatos a vagas compatíveis. Em postos fixos e mutirões periódicos de empregabilidade, equipes da Secretaria da Pessoa com Deficiência realizavam cadastramento de interessados, avaliação de perfil, oficinas de preparação para entrevistas e articulação com empregadores. Até o final de 2012, aproximadamente 6 mil pessoas com deficiência foram inseridas ou recolocadas no mercado de trabalho através dessa iniciativa, muitas conquistando seu primeiro emprego formal. Esse número expressivo refletiu uma conjugação de esforços: parcerias com empresas comprometidas, oferta de cursos de qualificação em parceria com o SENAI e outras instituições, e encaminhamento também para oportunidades na própria Prefeitura ou em órgãos públicos (que passaram a cumprir suas cotas). O programa foi considerado, à época, uma das maiores políticas municipais de emprego apoiado para pessoas com deficiência no país e deixou como legado uma rede permanente de inclusão laboral que continuou ativa nos anos seguintes.

No campo da comunicação e atendimento, a gestão inovou ao criar mecanismos para tornar os serviços públicos mais acessíveis às pessoas com deficiência sensorial. Em 2009 foi inaugurada a Central de Libras (CELIG) – Central de Intermediação em Libras e Guias-Intérpretes –, um serviço que equipou diversos órgãos públicos municipais com terminais de vídeo para atendimento remoto de cidadãos surdos. A dinâmica funcionava da seguinte forma: um cidadão surdo ao chegar a uma subprefeitura, hospital ou outro posto de atendimento encontrava um computador com webcam instalado; ao acionar esse terminal, ele se conectava a um intérprete de Língua Brasileira de Sinais em uma central, que por vídeo fazia a tradução simultânea entre Libras e o português oral para o funcionário local. Dessa forma, foi possível eliminar barreiras de comunicação que historicamente afastavam pessoas surdas dos serviços públicos, garantindo-lhes autonomia para resolver desde questões simples em uma praça de atendimento até situações de emergência médica, tudo mediado por intérpretes qualificados. A Central de Libras atendeu milhares de chamadas nos primeiros anos de operação e serviu de modelo para outras iniciativas (posteriormente, o governo federal adotaria política similar de Vídeo-Interpretação em Libras no Viver sem Limite). Além da CELIG, a Prefeitura incorporou outras práticas de acessibilidade comunicacional: em eventos oficiais passou a ser sistemático ter intérprete de Libras no palco; no portal da Prefeitura, criou-se uma sessão em formato acessível; e órgãos como o CAT (Centro de Apoio ao Trabalho) passaram a disponibilizar profissionais fluentes em Libras para atender usuários. Essas ações, embora não quantitativas, tiveram grande significado simbólico e prático, pois reforçaram a inclusão da comunidade surda e estimularam a difusão da Libras como segunda língua no âmbito municipal.

Ainda visando fortalecer a cidadania das pessoas com deficiência, a SMPED realizou diversas campanhas e projetos de conscientização durante a gestão. Por exemplo, lançou a campanha “Sinalize” para estimular o respeito às vagas reservadas de estacionamento (com distribuição de panfletos e fiscalização mais rigorosa de quem estacionava indevidamente em vagas PCD e Idosos). Promoveu anualmente a Semana da Pessoa com Deficiência, com palestras, fóruns e atividades abertas ao público, discutindo temas como acessibilidade digital, esporte adaptado, direitos e legislação, etc. Nesses eventos e em fóruns regionais, coletaram-se subsídios para a elaboração do Plano Municipal da Pessoa com Deficiência, um documento estratégico desenhado no final de 2012 que estabeleceu metas de longo prazo (até 2020) para a inclusão em São Paulo – mais um legado de planejamento deixado pela gestão Kassab. Importante mencionar que a Prefeitura contou com parcerias intergovernamentais importantes: articulou-se com o Governo do Estado programas como o Passe Livre Intermunicipal (que garantiu transporte metropolitano gratuito a pessoas com deficiência de baixa renda, complementando o Passe Livre Municipal já existente) e conveniou-se com a União a aquisição de novos ônibus escolares acessíveis para transporte de alunos com deficiência, por meio do programa Caminho da Escola. Assim, somando esforços e recursos de diferentes esferas, ampliou-se o impacto das ações locais.

Conclusão e Legado

As realizações da Prefeitura de São Paulo na gestão Gilberto Kassab nas áreas de acessibilidade e inclusão deixaram marcas profundas na cidade e serviram de referência para outras administrações. Em termos quantitativos, nunca se havia visto um investimento tão amplo nessa pauta: centenas de quilômetros de calçadas adaptadas, milhares de ônibus acessíveis incorporados, dezenas de novos núcleos de atendimento implantados e milhares de pessoas com deficiência beneficiadas direta ou indiretamente. Mais do que os números, entretanto, destaca-se o caráter estruturante e inovador das políticas adotadas. São Paulo tornou-se a primeira metrópole brasileira a tratar calçadas como infraestrutura essencial, com padrão de qualidade e manutenção definido em lei. No transporte, saiu de uma situação de quase exclusão para uma inclusão significativa, elevando o patamar de acessibilidade a um nível inédito nas cidades do país até então. Na educação, promoveu a virada da integração para a inclusão plena, garantindo suporte dentro da escola regular para alunos antes marginalizados. E na saúde e assistência, construiu uma rede integrada que abrange prevenção, reabilitação e participação social.

O legado posterior dessas ações foi em grande parte de continuidade e aprimoramento. A maioria dos programas criados entre 2006 e 2012 teve prosseguimento nas gestões seguintes: a SMPED permaneceu ativa como órgão central de políticas para pessoas com deficiência, os serviços de transporte acessível continuaram se expandindo (até 2014, São Paulo atingiu praticamente 100% da frota de ônibus acessível, cumprindo a meta legal), e as parcerias como as unidades da AACD e a Central de Libras mantiveram funcionamento, incorporadas ao cotidiano da cidade. Muitas dessas realizações foram incorporadas em legislações permanentes – por exemplo, o padrão de calçadas acessíveis virou referência no novo Plano Diretor e Código de Obras aprovados posteriormente. Além disso, a visibilidade das ações de Kassab impulsionou a discussão pública: termos como “cidade para todos”, “desenho universal” e “inclusão” ganharam espaço no planejamento urbano paulistano.

Em suma, a gestão Gilberto Kassab consolidou e ampliou São Paulo como cidade inclusiva, atacando diversas frentes do problema com soluções criativas, dados robustos e colaboração intersetorial. O contexto inicial de vulnerabilidade e negligência foi substituído por uma abordagem sistêmica: da calçada ao transporte, da escola ao posto de saúde, criou-se uma malha de acessibilidade que beneficiou não apenas as pessoas com deficiência, mas a população em geral – mães com carrinhos de bebê, idosos, pessoas com mobilidade reduzida temporária, todos passaram a usufruir de uma cidade mais amigável. Tais conquistas, as maiores já vistas até então no município nesse campo, formaram um patrimônio político e social que transcende gestões. O desafio que permanece é continuar essa trajetória, garantindo manutenção e avanço contínuo das condições de acessibilidade, de forma que São Paulo se aproxime cada vez mais do ideal de uma cidade plenamente inclusiva e democrática para todos os seus habitantes.