Balanço da Gestão
Sirius coroa a recuperação da estrutura de pesquisa no país
O físico Antônio Roque da Silva, do CNPEM, fala sobre o esforço para garantir as verbas necessárias à implantação do principal projeto da ciência brasileira, o Sirius.
noticias | 04 dezembro 2018
Principal projeto da ciência brasileira, o acelerador de partículas Sirius – cuja primeira fase foi entregue no dia 14 de novembro pelo presidente Michel Temer e pelo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab –, representa um enorme avanço na estrutura de pesquisa e inovação no Brasil. Quem afirma é o físico Antônio José Roque da Silva, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), órgão responsável pela administração do Sirius.
Nesta entrevista, ele afirma que o acelerador de partículas “é projeto estruturante para o Brasil e traz inserção em relações internacionais” e destaca a importância da gestão do ministro Gilberto Kassab para o avanço das obras. “É preciso afirmar que os últimos dois anos foram cruciais para que se conseguisse entregar a parte civil das obras do acelerador de partículas, o início da montagem do acelerador principal e das linhas de luz”, diz ele.
Silva era um dos presentes na cerimônia realizada em Campinas, no interior do Estado de São Paulo, em meados de novembro passado, quando o presidente Michel Temer e o ministro Gilberto Kassab, ao lado de pesquisadores brasileiros, lideranças políticas e de entidades ligadas ao Estado e à comunidade científica em São Paulo e no Brasil participaram da inauguração do Sirius.
O acelerador de partículas é um impressionante laboratório multipropósito, abrigado em edifício de 68 mil m2 de área construída. Sua estrutura foi projetada para atender a padrões de estabilidade mecânica e térmica sem precedentes.
Para descrever seu funcionamento de forma bastante simples, pode-se dizer que o Sirius faz com que um feixe de elétrons passe por um grande anel (que se assemelha por fora a um campo de futebol) com velocidade próxima à da luz. Quando passa por ímãs, muda de direção e produz uma luz de alto-brilho e amplo espectro, a chamada luz síncrotron.
A partir deste processo, é produzida ciência de ponta. Ciência para aplicações nas mais diferentes áreas, na biotecnologia, nanotecnologia, na engenharia de materiais, desenvolvimento de novos medicamentos, diferentes novas tecnologias.
O Sirius, acelerador de quarta geração, coloca o Brasil na fronteira da ciência, e o equipamento começa a operar progressivamente em 2019. Terá apenas dois competidores similares no mundo, na Suécia e na França – a Suécia, com equipamento de mesma categoria, e a França, com equipamento de terceira geração. Orçado em R$ 1,8 bilhão, já recebeu investimento de R$ 1,12 bilhão.
Antônio José Roque da Silva conhece de perto a história do Sirius. Professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, doutorado e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ele tem especialização nas áreas de Física da Matéria Condensada e Física Atômica e Molecular.
Na entrevista a seguir, ele fala sobre a importância do Sirius para o país e de como se deram os esforços para a entrega do equipamento, além de pontuar aspectos do trabalho desenvolvido pelo CNPEM e pela gestão de Gilberto Kassab à frente do MCTIC.
Em linhas gerais, qual foi o trabalho desenvolvido pelo CNPEM, em especial nesses últimos dois anos, e como qualifica a parceria com a gestão do MCTIC nesses últimos dois anos?
O CNPEM é um braço executor de políticas estratégicas do Ministério. A área de síncrotron executa pesquisas em nanotecnologia, biotecnologia, bioenergia e outras. E este órgão tem a característica fundamental de ter instalações diferenciadas que permitem a atuação em pesquisa de precisão para a comunidade científica do país. O Sirius representa um enorme avanço nessa estrutura. O CNPEM já tem hoje um conjunto de laboratórios, salas limpas de pesquisa, amplo conjunto de instalações abertas de pesquisa e efetua papel muito importante no sistema brasileiro de Ciência e Tecnologia. Ao longo dos últimos dois anos, tivemos ações muito importantes apoiadas pelo Ministério, como a expansão de laboratórios, como a aquisição de microscópios, a ampliação de estruturas de pesquisa, a exemplo do Laboratório Nacional de Biociências firmando parceria com o Laboratório Aché, entre outras. Mas sem dúvida o destaque fica pela singularidade do Sirius. É um projeto de fôlego, que já vem de longo prazo. E é preciso afirmar que os últimos dois anos foram cruciais para que se conseguisse entregar a parte civil das obras do acelerador de partículas, o início da montagem do acelerador principal e das linhas de luz. Nesse sentido, destaco o trabalho de todas as equipes do ministro Kassab, do secretário-executivo Elton Santa Fé Zacarias, assim como dos demais ministérios, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, mas em uma relação sempre capitaneada pelo MCTIC. Em um período difícil para o país, de superação de crise econômica e ajuste fiscal, entregou-se um grande projeto. E é um projeto 100% brasileiro. Focado em nossa ciência. E do total investido, 85% dos valores empenhados para o Sirius se destinaram a projetos – desenvolvimento de sistemas, por exemplo – no país. Isso desenvolveu projetos em áreas de alta tecnologia relacionadas, impulsionando mecânica fina, eletrônica, por exemplo em monocromadores, equipamentos de ultra-alto vácuo. Junto com médias e grandes empresas.
O Sirius é, portanto, o grande projeto do CNPEM hoje. Qual o ganho que traz para a ciência brasileira?
Um acelerador desse tipo é uma ferramenta para as áreas mais variadas da pesquisa, que permite investigar diferentes estruturas, de matérias orgânicas e inorgânicas. É uma ferramenta que está na fronteira do que há de mais moderno no mundo. Coloca à disposição da comunidade científica brasileira um equipamento de ponta, e à disposição do Brasil e do mundo, para abordar os problemas mais importantes. É um grande ganho para a ciência brasileira, para ganhar competitividade. E é também um projeto estruturante para o país. Também para treinamento de recursos humanos em utilização científica, e em desenvolvimento tecnológico, internacionalização – sendo um equipamento de ponta em escala mundial, já atrai pesquisadores do resto do mundo. E tem também o pilar intangível que é da autoestima… Permitir ao país ver que podemos construir algo deste porte, ver que é possível fazer.
Com o Sirius operacional, a partir dos próximos anos, o que teremos no aspecto mais “prático”, para o entendimento leigo?
Permite atuação nas mais variadas áreas. Vou dar dois exemplos: na área de saúde e na área de energia. Em energia, na exploração do petróleo, na extração do pré-sal, que é algo que já é promovido, mas é uma tecnologia que está em desenvolvimento. Quando você faz a extração do petróleo no pré-sal, em determinadas situações você só consegue tirar de 30% a 40% do óleo da rocha, e isso significa só gerar 30% a 40% da riqueza que seria possível a partir do subsolo. É riqueza que fica retida na rocha. E é preciso entender porque o óleo fica retido na rocha. Um equipamento como o Sirius, a partir da amostragem dessas rochas, análise de alta precisão, ajuda a entender porque o petróleo fica “armazenado” e ajuda a desenvolver a tecnologia para aumentar o rendimento da sua extração. E isto representa um ganho econômico enorme, fundamental. Na área de saúde existem diversas possibilidades para apoiar a sociedade brasileira e seus grandes problemas, como na busca por fármacos relacionados ao Zika vírus. Também é possível tentar entender a estrutura de várias proteínas, moléculas, e com isso auxiliar pesquisadores a achar medicamentos que possam atuar nas doenças que afligem a nossa sociedade. Não é que o Sirius desenvolve um medicamento, mas ele dá uma enorme contribuição, ciência de ponta, efetiva, e oferece capacidade de aumentar a eficiência na solução de problemas e aplicações científicas. É válido para inúmeras outras áreas. Por exemplo, na avaliação da qualidade do solo, aumentar a eficiência do agronegócio e uso de fertilização, na área de meio ambiente, encontrar saídas para a poluição, e muitas outras. No desenvolvimento de novos materiais… O Sirius é uma ferramenta que vai auxiliar o pesquisador a enxergar o que antes não era possível ver.
É notório que para se fazer ciência é preciso recursos. Como foi esta luta nesses dois anos, em um cenário de grande ajuste fiscal e restrições orçamentárias?
Veja: com relação ao Sirius, a gestão Kassab conseguiu nesses dois anos, mesmo com as dificuldades, chegar a esse ponto importante, a primeira fase, a inauguração, a entrega das obras físicas e a primeira linha de luz. O projeto foi inscrito no PAC e depois no programa “Avançar” do Governo Federal. Foi uma decisão muito importante da gestão do Ministério torná-lo prioridade. A gestão Kassab estabeleceu desde o princípio que o Sirius teria de ser prioridade junto com o Satélite Geoestacionário e o programa “Internet para Todos”, outro grande projeto. A própria gestão, então, sabendo que o cenário era difícil, do ponto de vista de recursos orçamentários, trabalhou bastante, lutou dentro do possível, sabendo que não era o ideal. Com vistas a entregar o quanto antes este projeto para a sociedade brasileira. Quanto ao CNPEM em seu todo, enfrentou dificuldades, e também houve esforços para enfrentá-las. Se a gente olhar ao longo dos últimos vários anos, o MCTIC sofreu cortes significativos, e o Ministério tem se esforçado para fazer a gestão e sofrer o mínimo possível. Temos buscado trabalhar junto com o Ministério para sofrer o mínimo no CNPEM e fazer uma gestão equilibrada. Sabemos que a restrição orçamentária não é ideal para a ciência brasileira, e esperamos que em breve isso possa ser revertido.
Como qualifica a parceria com a gestão do MCTIC para viabilizar os recursos necessários à entrega do Sirius? E de que forma isso foi viabilizado?
O fato do Sirius estar no programa “Avançar” foi fundamental. E isso foi bastante importante também com o apoio obtido do Ministério do Planejamento. E quero também enfatizar o envolvimento de empresas parceiras do CNPEM no projeto, como construtoras e fornecedoras, adequando e compondo prazos. Todos entenderam como este projeto foi singular. Sempre em discussão com o Ministério. Para dar um exemplo, no cronograma original, primeiro seria entregue a obra civil, e depois o acelerador. Mas fizemos uma mudança para começar o acelerador e compor com a obra civil. Foi um enorme trabalho em equipe, com o Ministério, o CNPEM, com fornecedores, empresas, Governo…
Houve então uma alteração de estratégia na forma como o cronograma do Sirius foi desenvolvido?
Exato. Buscamos manter o máximo possível dentro do cronograma original. Mas tivemos de repactuar um pouco dentro do cronograma da obra civil, para não prejudicar o cronograma global do projeto. E essa extensão foi recomposta em acordo com a liberação de recursos. Readequamos para ficar o mais próximo possível do cronograma original.
Algo que se afirma sobre o projeto Sirius é que é um projeto de estado, não de governo, correto?
Sim, o projeto começou em 2009. Teve seu contrato assinado em 2012, a execução iniciada em 2015. E esta importante entrega, a inauguração, em novembro agora. E terá treze linhas de luz em 2020. É um projeto que passa por vários governos. O que tem sido importante é um entendimento de que é um projeto de estado. Um enorme ganho para o país e pertence aos brasileiros. Todos teriam de conhecer e apoiar, porque são laboratórios para o Brasil e para o seu desenvolvimento. Temos confiança de que o novo Governo fará o reconhecimento da importância do projeto Sirius, do CNPEM e da ciência brasileira.
A forca política do ministro e capacidade de articulação de Kassab ajudou na obtenção de recursos para o Sirius e o CNPEM?
Acho que ajudou bastante. O ministro Kassab conseguiu construir um bom diálogo com o presidente. Sou testemunha de que todas as unidades de pesquisa do Ministério estão satisfeitas com o trabalho que o ministro conseguiu executar em um período difícil, dentro da realidade vivida do ponto de vista de ajuste fiscal e restrições orçamentárias. Dentro da crise, pôde fazer bastante coisa.
Por outro lado, é lembrado sempre que a fusão ministerial ocorrida no início de 2016 foi motivo de preocupação da comunidade científica. Esse processo trouxe também preocupação quanto à continuidade do projeto Sirius?
Quando houve a fusão houve uma preocupação bastante ampla da comunidade científica, mas a equipe conseguiu fazer essa fusão de uma maneira bastante tranquila. Dada a dificuldade de se organizar secretarias e atividades, foi feita de uma forma muito funcional. Desde o dia 1 desta fusão, os sinais que Kassab deu de importância à Ciência e Tecnologia foram vários, desde questões simbólicas… Como o gabinete dele estar no ambiente da Ciência e Tecnologia, no antigo Ministério de Ciência e Tecnologia. No caso do Sirius, não houve uma preocupação específica, a preocupação girou muito quanto a recursos, mas houve o grande esforço, e se cumpriu o necessário para o que ocorreu em novembro. O Satélite, outro grande projeto prioritário, com o programa Internet para Todos, estava ligado à Telebras, e esses dois projetos (Sirius e Internet para Todos), dois projetos prioritários, não prejudicaram um ao outro.
Como qualifica hoje a relação do MCTIC com a comunidade científica?
Nas reuniões que tenho participado, acompanhando o ambiente da ciência, como alguém que participa de interações com a equipe do Ministério, foi construída uma relação de respeito e ligação entre as partes. Esta gestão termina agora em dezembro com ‘bom cartaz’ com a comunidade científica. O ministro fez o que foi possível e sempre escutou e encaminhou os pleitos da comunidade científica, por exemplo, frente aos outros órgãos. De uma forma geral qualifico esta relação com a comunidade científica como muito boa. É preciso dizer, contudo, que persiste uma preocupação quanto à queda contínua que o orçamento vem tendo, e há um risco de prejuízo grande de programas construídos por décadas. São preocupações que as comunidades têm. Que são preocupações quanto a governos.
E qual é o papel da UVX, a primeira fonte de luz síncrotron de segunda geração projetada e construída por brasileiros e com tecnologia nacional, inaugurada em 1997?
O UVX teve vários papéis, e foi, por exemplo, possível, pela sua existência aqui dentro do CNPEM, ao longo dessas décadas, projetar e construir no Brasil um equipamento como o Sirius. E ter no Brasil, em Campinas, mais de 1,2 mil pesquisadores do país e do mundo. O UVX tem sido fundamental em diferentes áreas, e as pesquisas atingiram outro patamar. O UVX ajudou a estruturar a área de pesquisa no Brasil, ajudou a internacionalizar a pesquisa brasileira.
Falando de forma mais conceitual, qual o papel hoje da ciência e da pesquisa e como podem contribuir com o desenvolvimento da sociedade, do ponto de vista econômico, social?
O mundo evolui – e você tem as questões econômicas e sociais e cada país tem que tentar resolver, com novos produtos e processos. Todas as questões necessitam de ciência e tecnologia cada vez mais: por exemplo, com carros mais eficientes e menos poluentes, com novos fármacos etc.. E tudo isso precisa de novas tecnologias. Nesse contexto, os países se integram em busca de soluções, e a ciência é um grande meio de diplomacia e você pode ter por meio da ciência uma respeitabilidade. As pessoas falando ‘lá eu consigo resolver esse problema’. No caso do Sirius, você coloca um marco importante para o país, uma ferramenta que permite atuar e resolver questões nas mais diferentes áreas. Isso dá um diferencial para o país até em negociações. Traz respeito, traz inserção em relações internacionais.
Fonte: MCTIC